10 de abril de 2006

Jack Johnson é suave

O texto sobre música que mais gostei nos últimos tempos. Não fui ao show, mas imagino que tenha sido exatamente assim. "Fácil de gostar".

RONALDO EVANGELISTA COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Mulheres são mais inteligentes que homens. A alma feminina é sempre a primeira a perceber a pura beleza das coisas sem precisar racionalizar demais sobre aquilo. É um fato: você sabe que pode confiar nos artistas que atraem grande público feminino -assim como deve desconfiar de artistas e estilos com público exclusivamente masculino.

Fãs femininas garantem mais chances de sucesso e coerência artística e menos propensão a bobagens ególatras e sofismas emocionais. Se você comprar essa teoria, Jack Johnson é artista com garantia de qualidade e selo de aprovação.

Das mais de 20 mil pessoas presentes na apresentação do surfista havaiano que canta baixinho e toca violão, na última sexta, no Anhembi, mais da metade eram mulheres (jovens bronzeadas, com barriga à mostra, calça jeans justa, cabelos longos e brincos de argola. Mas isso é tema para revista de comportamento).

De certa forma, o show, afinal, é meio chato. Por duas horas, ele toca seus hits, "Times Like These", "Good People", "Sitting Waiting Wishing", e a música segue sem grandes variações. Jack Johnson nunca sobe o tom de voz, a batida do violão varia pouco, o andamento das músicas é sempre mais ou menos o mesmo. Não há refrãos explosivos ou "atitude".

Mas a verdade é que isso é argumento válido apenas para as vítimas da síndrome pós-Nirvana de refrãos barulhentos e guitarras destruídas. Johnson faz música suave e não se envergonha disso. Por que deveria? Críticos musicais podem exigir atualidade, relevância e inovação, Jack Johnson está mais preocupado em fazer músicas boas que façam as pessoas se sentirem bem.

No seu liqüidificador de groove relax, há espaço para soul, folk, reggae, cover de Led Zeppelin ("Whole Lotta Love") e White Stripes ("My Doorbell") e citação de Jorge Ben ("Mas que Nada"). Tudo acústico, sossegado, acompanhado por um trio de baixo fluido, bateria suave e detalhes tocados no piano, escaleta ou acordeão. Em um lugar pequeno, talvez as sutilezas funcionassem melhor. Mas há algo de fenomenal em um cara que consegue, sozinho com um violão, criar uma catarse coletiva em 20 mil pessoas.

Com seu som brando e fácil de gostar, talvez seja forçado (ou ainda cedo para) chamá-lo de grande artista. Mas ainda criticá-lo com os mesmos argumentos simplórios da época em que o John Lennon de "Imagine" era considerado poeta profundo e relevante e o Paul McCartney de "Silly Love Songs" bobinho e dispensável é ainda mais ingênuo do que as letras de Jack Johnson

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