13 de junho de 2007

A pauta

A dificuldade de locomoção interfere diretamente nas condições de vida do marajoara. Compromete, até mesmo, o acesso ao serviço médico. Na Vila de Jenipapo existe apenas um posto de saúde. O médico que fazia o atendimento deixou o local no início de agosto e não há previsão de substituição. “As pessoas gostavam do doutor, mas ele recebeu uma proposta de trabalho melhor, e a prefeitura não conseguiu cobrir a oferta. Somos o quinto menor município do Pará, com fundo de participação de apenas 0,6%”, justifica a secretáriade educação do município.

Instalado num imóvel cedido pela Diocese de Ponta de Pedras, o posto médico possui infra-estrutura precária. “A cadeira do dentista jamais foi usada”, diz Elza Gemack, funcionária do posto. O estofado foi roído por ratos e os botões estão inferrujados. “Não tem dentista, mas tem gente que extrai dente em casa sem anestesia”, revela irmã Sirleide.
Faltam remédios dos mais simples - carência geralmente suprida com o uso de plantas medicinais, porém, em alguns casos, apenas um chá não é suficiente.

Foi o que aconteceu com Cristiano, 17 anos. O rapaz era um dos mais engajados no projeto da brinquedoteca e de repente se ausentou da atividade. Todos estranharam o sumiço. Três dias depois, o padre Roberto o encontrou deitado numa rede, na casa de uma tia, com febre alta, moleza e dores no corpo [foto à direita]. Bastou uma dose de antitérmico que no dia seguinte o garoto estava de pé.

Como o médico foi embora, uma enfermeira de Santa Cruz vai uma vez por semana a Jenipapo. “Tem também duas moradoras da vila que sabem fazer curativo e ficam em casa de sobreaviso caso alguém se machuque. Mas se o corte for profundo tem que encaminhar para Santa Cruz”, conta.

Nas situações de emergência, o doente fica confinado a sofrer durante longas viagens de barco de Jenipapo até Belém. Detalhe que a viagem de barco acontece apenas uma vez por semana e a duração do percurso depende da cheia do rio. Se o caso for realmente grave, diz Arlete, um avião leva o paciente até a capital. “Cada viagem custa R$ 1 mil e por mês só podem ser feitas cinco para não estourar a cota”, diz.

O curioso é que enquanto os doentes agonizam em viagens que duram mais de 15 horas, sem conforto, a caminho do médico, a reportagem descobriu que o prefeito do município, Fernando Lobato, reside em Belém e utiliza com cunho pessoal as cotas das viagens de avião, que seriam destinas ao transporte de pacientes. A informação foi confirmada por Aroldo Malato, secretário de Lobato. "O prefeito está na capital, mas vem para a ilha. Eele tem uma fazenda e vem toda sexta-feira com o avião da prefeitura".

Com relação ao saneamento básico, é possível observar que nos arredores da vila a situação também é grave. Crianças costumam brincar próximo a locais com água parada, onde não há rede de esgoto [foto acima] o que facilita a contaminação por vermes e bactérias.
As mulheres que dão a luz em Santa Cruz voltam para casa carregadas numa rede [foto à esquerda]. O gesto poupa a parturiente de esforços desnecessários e revela um pouco mais da rotina resignada do marajoara, conhecida apenas por aqueles que habitam o local.

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