9 de novembro de 2007

Luto

Enterrado esta manhã, no cemitério Bosque da Paz, o jornalista Gerson dos Santos.
Talvez não exista outra pessoa que tenha vibrado de forma tão intensa, como Gerson, quando escolhi ser jornalista. Mais que minha mãe, meu avô e meu tio, todos jornalistas. Digo com convicção, sem medo de ser piegas, condição natural de quem sente o peito apertar, quando a tarde de repente fica cinza em plena sexta-feira. É que Gerson, sua esposa Nice, Artur e Sissi, os filhos, sempre foram muito presentes na minha família.

Final dos anos 80, muitas foram as vezes em que nos divertimos noite a dentro, lá em casa, junto com a turminha da extinta Revisão. No repertório, músicas, histórias sem ter fim e muita comida gostosa.

Eu, criança, achava o máximo todas aquelas histórias de jornalistas. [Reflito: acho que foi aí que cometi o crime]. Gerson, sempre hilário, às vezes saia da condição de repórter para atuar como protagonista dos casos mais inusitados. Como no dia em que Nice acordou de madrugada, assustada, crente que se tratava de suicídio, ao ver o marido com parte do corpo para fora da janela do apartamento onde moravam na Bonocô.

"Meu amor, não vá assim. Não se jogue, por favor. Temos dois filhos pra criar", clamou apavorada. "Tá doida, mulher? Trata de me ajudar, a janela está despencando, tá pesado demais, não vou agüentar". Resolvido o problema, veja só que justificativa.

Insone , Gerson tinha levantado da cama para respirar um pouco. Ver o céu, as estrelas. Espairar na janela. Só não contava ser traído pela estrutura de alumínio que a aquela altura precisava mesmo ser trocada. Coisas de Gerson. Não sendo trágico, a gente ria um bocado.

O bonde da revisão também era integrado por Rita Conrado, Josélia Ribeiro, Rê de Sá, as Fátimas, Cristiane, Marilena Neco, Laura Angelim, Cora, Raimundo Alves, Neusinha, João Saldanha, Egídio, Arlete, Francina, Sara Barnuevo, Márcia Gomes e Marlene Lopes. Lembro também de Iloma, que ficava na fotomontagem, digitalizando as laudas, uma salinha ao lado da revisão, mais ou menos onde fica o Transporte e o DP hoje em dia. De Pérola e Calixto junto às barulhentas máquinas de escrever da Redação. E de Nelido, o chefe, com régua, lápis e cola montando páginas na revisão. [Se nesse momento esqueço de alguém, por favor, me perdoem a memória rarefeita.]

O piso da redação era coberto por carpete marrom e eu gostava de catar os alfinetes que ficavam perdidos debaixo das mesas dos repórteres. Ajudava a passar o tempo nos dias em que minha mãe passava do horário e eu ali chegava, ansiosa, para levá-la para casa. Na condição de filha única [minha irmã Safira ainda não tinha nascido], sempre reclamava porque ela, a minha mãe, nunca saia no horário certa. Hoje peço desculpas e compreendo.

Anos passaram, virei "gente" e "fiquei me achando", como costuma dizer Marlen em alto e bom tom todo dia na redação. Em janeiro de 2004, ainda na faculdade, vim parar na redação de A Tarde, mais especificamente para um estágio, no turno noturno, no A Tarde On Line. Horário comum ao de Gerson, que junto com Pérola e Luis fechavam Polícia. Confesso que fui amplamente paparicada por esse trio. Um carinho herdado, devo reconhecer, mas que me fez gostar ainda mais da profissão.

Pois bem. Não foi para chegar a essa conclusão banal que me estendi até aqui. É que nunca vou esquecer da satisfação de Gerson no dia em que pela primeira e última vez assinamos uma matéria juntos.

Um factual rasinho, digno de quem está há dois meses na redação, sobre os pedestres que tinham dificuldade de atravessar na rua Marcos Freire por falta de sinaleira. Não foi manchete tampouco concorreu ao Prêmio Esso. Apenas o suficiente para, no dia seguinte, Gerson aparecer com a página em punho acompanhado de largo sorriso no rosto. "Veja como é a vida, carreguei essa menina no colo", disse, todo prosa, a todos que estavam na redação. Não satisfeito, recortou a matéria e guardou na agenda.

Depois de algum tempo, os problemas de saúde o afastaram da redação. Mesmo longe, vez ou outra, ligava para mim para "dizer que estava olho na minha produção" e assim riamos um bocado.

Hoje minha casa está em silêncio. Estamos todos em oração. Diante da dor, resta-nos o conforto de que nosso amigo Gerson foi morar num lugar melhor.

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