7 de julho de 2008

Fico por aqui

Muxima é uma palavra bonita que aprendi em Angola. Significa amor, coração, sentimento. Vem do kimbundo, língua falada nas províncias do Bengo, Malanje e Kwanza. Do dia em que decidi voltar pra casa, andei com muxima nos olhos, reparando com um pouco mais de afinco cada detalhe dessa cidade.

Ruas sempre congestionadas por kandongas e jipes de luxo, importados. Desfile de AKs e outras armas de guerra em cada esquina da cidade. Prédios hi-tech, com luz de gerador, recém erguidos na marginal a beira-mar. Os guindastes de contrução. Poeira de arder os olhos e irritar o nariz. A força braçal chinesa. O véu mulçumano. As ofertas das zungueiras. Gente. Gente negra fugida de todas as partes de Angola. Gente negra rica, facilmente identificada por um brilhante azul, da mais pura safira, cravado em anel de ouro. Gente de fora. Gente pobre, muito pobre, de vida miserável abaixo da linha da pobreza, nos musseques com fome, lixo e paludismo. Sem água. Mar e céu cor de cacimbo. Imbundeiros ancestrais de folhas caducas. A leveza dos miúdos dançarinos de kuduro, a ousadia dos putos, pilotos imprudentes de moto, e a birra dos kotas. As catorzinhas. A corrupção amplamente impregnada em todos os níveis sociais. Elementos imediatamente identificados na minha chegada. Após três meses, tudo permanece no mesmo lugar. A diferença é que tive oportunidade de caminhar um pouco entre eles. Hoje olho para Luanda e emprego à cidade um novo significado.

Angola promete. José Eduardo dos Santos, presidente da maioria há 27 anos, governa absoluto no território que foi colônia portuguesa por cinco séculos, lavado por mais de três décadas de sangue do conflito armado mais extenso do mundo ocidental. Promete, mais pra frente, ser alguma coisa passível de compreensão. Digo isso porque, até então, em pleno processo de reconstrução nacional, saio com a sensação de ter pisado em um território sem definição. Olho ao redor e sinto como se tudo e todos seguissem embalados por uma profunda ressaca. O caminho, pra onde o futuro aponta, não me parece promissor.

Aqui estive por cem dias, o suficiente para me revirar de ponta-cabeça. Hoje, com a mala feita, faltando poucos dias para deixar o país, pondero com tranquilidade a minha estada em Angola. Foi na medida certa. Por motivos vários, era necessário a minha vinda. E por outros motivos vários aqui vividos, não poderia ter sido um dia a menos nem a mais.

Falo isso porque vivi tudo ao extremo. Do profissional ao pessoal. Até tive, pela primeira vez na vida, medo do escuro. Medo real, longe de qualquer bicho papão subjetivo. Medo por ter que circular noite a fora em uma cidade desabastecida de luz elétrica, onde aproximadamente 4 milhões de pessoas vivem excluídas nos musseques.

Luanda está longe de ser uma cidade acolhedora. A falta de infra-estrutura, em um universo composto por acirrado desnível social, somado à instabilidade geopolítica - principalmente a situação atual externa, nos países vizinhos - elimina, por exclusão, a condição mínima de bem- estar. O fato de ser estrangeiro pesa ainda mais. Embora seja mão-de-obra necessária à reconstrução do país, o tratamento por parte da maioria da população é hostil, xenofóbico. E tem lá suas razões... A cidade exige, de quem aqui está, pulso firme e estômago forte. Não há muito tempo pra pensar, apenas é necessário agir. Ou melhor, reagir. O que compensa são os objetivos pessoais, o mergulho na cultura africana e, principalmente, tudo aquilo que a gente deixa e recebe ao lançar o corpo no mundo, como as relações estabelecidas em meio ao caos, aquilo que entendo como prova sincera de amizade.

Luanda grita porque assim é necessário para se consolidar como nação. Meus sentidos já não suportam tanta agitação. Volto pra casa em busca de sossego. Para os que me aguardam, muxima é o que levo de melhor após ter conhecido esse pedaço da África.

8 comentários:

Unknown disse...

lindo, querida. vai achar bastante amor por aqui. você virou minha horoína. eu não durava dois dias. bjs

Anônimo disse...

Depoimento sincero e lúcido...
Cristiano

Anônimo disse...

Te esperamos aqui de braços abertos!
bj

melina disse...

quero ver o livro dos 100 dias hehehe
bjoo

Bruna Hercog disse...

Muxima!!! E vamos nessa, se jogando para o mundo, abocanhando medos e devorando sonhos! Te admiro demais!!!!!!!!!!!!

tássia disse...

=)

Fábio Bito Caraciolo disse...

traga muxima que a gente tem chamego demais aqui pra vc, amarela!
E vamos nessa que a nossa estrada é o mundo!

Anônimo disse...

espero você aqui cheia de muximaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!!
saudades tassinhaaaa!!!!beijaooooo