14 de setembro de 2008

Cinema upload

atualizado às 22h50 do dia 17/9


De repente as pessoas voltam a enxergar, termina o filme. Sobe o letreiro, enquanto permaneço catatônica grudada na poltrona do cinema. Gostou?, pergunta um senhor de voz gentil, feição de avô, sentado ao meu lado. Nossa, adorei!, respondo ainda maravilhada. Eu não gostei. É muito triste, a vida não é triste assim.

Silêncio.

A conclusão do senhor com cara de vô me pegou de surpresa e me trouxe um punhado de questionamentos. Lamento ter levantado sem prosseguir o diálago. Se a vida não é triste (pra ele), onde será que ele vive? Por que a história de Saramago (pra ele) é tão irreal? Me veio a tona uma coisa que Camilla sempre me diz: as pessoas em São Paulo bloqueiam a realidade. Seria esse mais um caso de fuga premeditada? Até hoje não entendi direito o que aquele senhor quis me dizer.
Ensaio sobre a cegueira é o filme que mais desejei assistir nos últimos meses. Fissura que começou a ser cultivada desde o dia em que comecei a ler o blog do filme. Enfim, 12 de setembro, o grande dia do lançamento. Elegi como prioridade na minha despedida de São Paulo. É lindo o filme. Agora posso partir tranqüila para a temporada no interior do Rio Grande do Sul.

Levar Saramago para a tela do cinema, pra mim, soava como uma prova de fogo. É que ele tem um jeito tão peculiar de escrever que me dava a impressão de ser impossível manter "Saramago way of written" em qualquer outro suporte que não fosse o papel. Minha curiosidade era saber onde iria parar a elaborada engenharia da escrita. Caberia na tela do cinema? E caso não fosse possível ainda seria uma história de Saramago? Para mim, era como querer musicar uma pintura de Salvador Dalí.

Ansiedade desnecessária. Meirelles tem pegada de gênio para cinema... ainda mais com Charlone, na direção de fotografia. Aliás, colocar a cegueira dentro de um frame isso sim é um grande desafio. E pensar que a cegueira é fotografia branca. Ao invés de escuro, luz. Lindo, lindo. Recomendo demais... vão assistir.

Esses dias assisti também Linha de Passe (de Walter Sales) e Lemon Tree (de Eran Riklis, um iraniano). Em ambos existe uma dose de beleza extraída do que é triste. Ficção honestamente inspirada em retratos do cotidiano. Me fez lembrar uma reflexão lançada por Charlone, mês passado, no Festivel Internacional de Cinema da Bahia, durante apresentação da mesa de Fotografia para cinema. Charlone disse gostar mais quando a ficção brota da vida. Talvez Linha de Passe não tenha me sensibilizado muito pelo fato de a periferia de São Paulo ser uma realidade relativamente conhecida. Ineditismo oposto me veio de sobra no iraniano, embora as duas histórias sejam comoventes por causa dramaticidade do relato. Em Lemon Tree, um pomar de limão é a existência de uma viúva palestina na fronteira da Cisjordânia. Isso é vida no cinema da vida.

2 comentários:

LC disse...

Preciso ler... preciso ver

Carol Marques disse...

Ansiosa para vê-lo também...mas confesso que para quem vive em Sampa o tema é um pouco assustador!
Às vezes, a fuga é a única maneira possível de se viver por aqui...