11 de outubro de 2008

Pequena grande confissão sobre Angola

Faz meses que cheguei da África, nem na Bahia estou, e ainda sim muita gente me pergunta como são as coisas por lá. A curiosidade é grande, balança mais que atração de circo. Todo mundo quer saber como é, como foi, como será. Todo mundo quer ir, faz como? Fala com quem? É difícil, será que dá? São algumas das perguntas que chegam a mim com freqüência. Considerando que a curiosidade alheia é sempre a mesma, tenho cogitado a possibilidade de gravar uma série de FAQ sobre o dia-a-dia em Luanda. Ao ser lançada a próxima pergunta, bastaria apertar play. Simples assim. Pouparia minha beleza, meus ânimos, meus nervos.

É tão chato falar sobre Angola. Tão tão tão... tão. Das poucas vezes que tentei explicar, vi nos olhos diante de mim sinais nítidos de que não fui compreendida. Alguns me rotularam de fraca por ter ficado menos que o previsto. Outros, de fresca, antipática. Salve umas conversas que tive com pessoas especialmente queridas, universo restrito, possível de contar a quantidade de seres incluídos com auxílio dos dedos de uma única mão.

Em resumo, pra quem quer saber, a rotina é absurdamente difícil. A cada 12h você se depara com um absurdo. Ou seja, são, pelo menos, dois absurdos por dia... no mínimo. Mas dentro daquele contexto, não é nada demais, nada anormal. Afinal não ter água em casa, ficar horas e horas preso no engarrafamento ao lado de pessoas armadas, famintas e/ou amputadas, com motoristas dirigindo loucamente, sendo você especialmente conduzido por uma criatura que não entende de direção defensiva, sequer sabe o que fazer ao engatar a ré, e, ainda assim, ele é o seu motorista a te transportar em um veículo nitidamente avariado. Não ter luz ou pegar malária... ahhhh que frescura, que bobagem. Tão trivial, tão comum. Você recebe em dólar, é pago pra isso. Evite o desgaste, pra que questionar? Só há duas saídas: engula o espanto ou depressa pule fora. Porque inevitávelmente, todo mundo vive esse ritmo - pobre ou rico, nativo ou forasteiro. Em pouco tempo fica fácil mapear a escala dos mais atingidos. Veja bem, não há o grupo dos não-atingidos. A diferença é que uns são mais outros são menos.

E ainda tem a tal da ética profissional. Bastidores sejam preservados. Sobre governo, prática bélica, instabilidade geo-política, chefe de estado - resumo de uma história atual, nua, crua e viva -nem tudo pode ser dito. E tem a bagagem subjetiva, aquele punhado de impressões, sensações, surtos e delírios que, raramente, você consegue compartilhar na íntegra com alguém além do seu eu-íntimo. Aí sim o bicho pega. Não raro, é grande a minha aflição. Chamo pelo Cosmos, por Deus, Buda, Dalai Lama. Oxalá e a minha Baía de Todos os Santos. Quero colo, painho, mãinha, minha cama, suplico mais do que criança em noite de sonho ruim. Clamo pela força que vem das montanhas, o verde me purifica, alivia. E só descanso no azul. Tenho paz, quando me encontro na beira do mar.

Támeentendendo? Angola é aquele tipo de lugar que é preciso estar para compreender. Não é uma questão de assimilar, pesquisar, se informar. Esqueça os livros, os relatórios da ONU e demais agências internacionais. Não passam de dados, números, cifras. Mera estatística sem alcance sobre a realidade dos seres envolvidos. Até o Oráculo terá pouco a ensinar.




























"A descrição da vida não vale a sensação da vida"
Machado de Assis


Para entender Luanda, o esforço é outro. Diria até que passa por um processo muito mais simples, porém complexo: tem que viver pra sentir.

Reli o parágrafo a cima pra encerrar o post e veja só, perto do fim, me peguei no ato falho das idéias. Simples não combina com complexo. A condição "simples", automáticamente, elimina, descarta, qualquer tipo de emaranhado, dificuldade. Logo, o que é simples não pode ser complexo. Né não? Não. Não é não.

Eis o paradoxo da vida, quando deparamos com uma nova rima. Referênciais desconstruídos. De repente, dois mais dois dá cinco. Pequenos grandes detalhes, só a vida ensina. Por isso digo que pra entender África é preciso estar em África. Vivenciar, como se fosse um estado de espírito.

Vá lá e volte pra me contar. Quem sabe a gente não chega em algum lugar.

3 comentários:

Fabiane. disse...

ôh baiana que foi sem se despedir direito...

Imaginei que fosse dar nisso...

Fica bem
te cuida!

vai fazer falta a companhia para a velha e boa polar!!
bjão

Teka disse...

é isso ai e um pouco mais. indizível. carregaremos para sempre as impressões de áfrica dentro de nós. nem os nossos netos saberão. perfeita.
hf

Iracema Chequer disse...

Vale ler pra saber! Seu texto, claro... Muito bom!