17 de julho de 2006

Faltam estudos sobre a cannabis

Apesar de reconhecer os avanços medicinais no uso do princípio ativo da maconha, o doutor José Alexandre Crippa, do Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP), é contra o fumo da maconha.

"As pessoas acham que é uma droga natural, mas esquecem que causa problemas graves de saúde quando consumida. Sobre o uso médico, no futuro breve é possível". Leia a entrevista.

A Tarde On Line - O senhor é a favor do uso da maconha?
Crippa ? Sou totalmente contra o uso recreativo. Pode causar muitos problemas e muita gente não sabe disso. As pessoas acham que é uma droga natural, mas esquecem que causa problemas graves de saúde quando consumida. Sobre o uso médico, no futuro breve é possível. O uso recreativo deve ser combatido.

A Tarde On Line - No artigo ?Efeito cerebrais da maconha ? resultados dos estudos de neuroimagem? que o senhor assina junto com outros seis pesquisadores são citados testes de tomografia computadorizada e ressonância magnética feitos em usuários crônicos de maconha. Apesar de serem pessoas que consumiram cinco cigarros de maconha por dia durante cinco anos, não foi registrada anormalidade neuroestrutural ou atrofia cerebral. Onde está o perigo do consumo assíduo da maconha então?
Crippa ? Há várias formas de avaliar um cérebro. Você pode estudar a forma e a função. As poucas pesquisas que foram feitas até agora não apontam alterações com relação à forma. Entretanto, o funcionamento do cérebro de quem consome muita maconha muda. Algumas áreas começam a funcionar menos, outras funcionam mais. E isso causa um impacto. Se você aplicar testes neuropsicológicos em um grupo de indivíduos que consome grande quantidade de maconha o resultado vai mostrar redução da memória, da atenção, dificuldade de determinar tempo e espaço, além de outros processos cognitivos. O cérebro da pessoa funciona diferente porque está prejudicado. Se a pessoa não fosse usuária, reagiria melhor. Está comprovado cientificamente que o uso prolongado da maconha pode modificar o funcionamento do cérebro, mas com relação à estrutura não se sabe até hoje. Faltam estudos, mas a princípio parece que não ocorre nada importante. Exceto com pessoas que consumiram muita maconha antes dos 17 anos. Quando passa para fase madura, o cérebro está menor. As estruturas reduzem. Provavelmente, a redução é causada pelo efeito da maconha nos hormônios que impulsionam a formação do cérebro humano.

A Tarde On Line - E sobre os efeitos da exposição pré-natal à cannabis? As pesquisas indicam que o uso durante a gestação tem um impacto na atividade cerebral em regiões que estão relacionadas a inibição de respostas. Quais são as conseqüências desse efeito?
Crippa ? É muito difícil de avaliar. No Canadá, foi feito um estudo com mulheres grávidas usuárias de maconha. Os pesquisadores acompanharam os bebês ao longo dos anos até atingir a fase adulta. Vinte anos depois, os filhos de mães que fumavam maconha apresentaram alteração no funcionamento do cérebro sem nunca terem consumido maconha. Essa é uma hipótese. Tem também um outro estudo, no qual filhos de mães que consumiram maconha têm mais chances de ter transtornos psiquiátricos na fase adulta. Mas é difícil chegar a uma conclusão. A amostra é pequena e a gente nunca sabe o que é causa e o que é efeito. Por exemplo, pode ser que a mãe consumia maconha porque sofria de ansiedade e daí há uma carga genética que passa para o filho, aumentando a chance dele ser ansioso também.

A Tarde On Line - Então os problemas nas pesquisas vêem da amostra utilizada?
Crippa ? Tem que ter muitos estudos para chegar a uma conclusão precisa. Não se sabe ao certo em relação aos transtornos psiquiátricos, mas parece que na formação do feto é prejudicial. Não é bom consumir maconha na gestação. Assim como não se deve consumir tabaco nem álcool. É altamente prejudicial ao feto.

A Tarde On Line - O que é mais prejudicial, um cigarro de maconha ou um cigarro de tabaco? Crippa ? Depende do ponto de vista. Temos milhares de pessoas que consomem tabaco e outras milhares que consomem maconha. No Brasil, cerca de 7% da população já consumiu maconha. Se uma pessoa fuma maconha, vai dirigir e bate o carro porque estava disperso demais, isso é problemático. Se fumar cigarro normal, os reflexos não vão estar prejudicados. Mas se olhar por outro lado, uma pessoa que fuma tabaco por vários anos e desenvolve um câncer e uma outra pessoa que fuma maconha esporadicamente e não desenvolve nada, então o tabaco é pior. Já o adolescente que fuma maconha e vai para a sala de aula, não vai ser bom para o nível de aprendizagem. Então depende de qual aspecto você quer avaliar. É difícil dizer o que é pior. O que posso dizer é que ambos consumidos para recreação é prejudicial e a extensão do prejuízo depende da circunstância.

A Tarde On Line - Testes indicam que o canabidiol em doses baixas (via oral, inalado ou intravenoso) não causa efeitos tóxicos em humanos. É importante ter um medicamento ansiolítico que não causa dependência?
Crippa ? Os ansiolíticos foram considerados os remédios mais vendidos no mundo inteiro, mais que o analgésico. São medicações boas, mas que apresentam dois problemas. Pode causar uma situação que os médicos chamam de tolerância, isto é, se a pessoa tomava um comprido e dormia tranqüila após alguns meses de uso contínuo esse comprimido não vai ter o mesmo efeito. E tem a dependência. A pessoa pára de tomar e surgem os sintomas de abstinência. O paciente sente vontade de continuar tomando apesar de não precisar mais. Também tem forte poder sedativo e não poder ser combinado com bebidas alcoólicas. Por isso, é interessante buscar outras substâncias que possam atuar nos mesmos sintomas sem causar esse tipo de problema. O canabidiol não apresenta nada disso.

A Tarde On Line - Poucos estudos de neuroimagem avaliam de fato os efeitos da cannabis no cérebro humano. Também não há homogeneidade quando se caracteriza os usuários e os critérios de análise nem sempre são confiantes. Se precisa de mais estudos para desmistificar o efeito da maconha no cérebro porque não investem em mais pesquisas que clareiem a situação ao invés de simplesmente censurar ou condenar o uso da planta?
Crippa ? Existem muitas pesquisas em andamento no mundo inteiro. Vários organismos patrocinam pesquisas como o National Institutes of Health (EUA) e outros centros de pesquisa na Inglaterra, na Austrália. O problema é os dependentes de maconha geralmente fazem uso de outras drogas como o álcool, cocaína, LSD, tabaco.Varia. É difícil achar pessoas que só usam maconha ou que estejam em abstinência total. A maconha pode ficar até 30 dias no organismo, aí quando faz o exame de neuroimagem funcional sendo que a pessoa parou de usar apenas por um período curto fica difícil de saber se é um efeito crônico causado pelo uso ao longo de vários anos ou se é um efeito temporário. Por isso é tão complicado chegar a conclusões precisas sobre a cannabis. Não é nem questão de financiamento, é dificuldade de conseguir amostra. Queremos pessoas que só fumem maconha, nunca tenham usado outra droga e não tenha problemas psiquiátricos, enquanto a regra é consumir outras drogas.

A Tarde On Line - A indústria farmacêutica joga contra essas pesquisas?
Crippa ? Não acredito nisso. É paranóia pensar assim. Com a descoberta dos receptores canabinóides os laboratórios passaram a investir em pesquisas. Tem um grande laboratório que está prestes a lançar um moderador de apetite feito a partir do canabidiol sintético. A verdade é que pequenos laboratórios atentaram primeiro para a importância medicinal da cannabis e agora os grandes estão correndo atrás do prejuízo. Só que quando se descobre uma droga pode demorar 10, 15 anos entre a pesquisa inicial e a prateleira da farmácia. É um processo bastante lento.

A Tarde On Line - Como pesquisador, o senhor consegue estimar em anos quando iremos ver nas prateleiras das farmácias remédios feitos a base de THC e canabidiol sendo vendidos livremente?
Crippa ? É um futuro bastante próximo. Eu vou ver e quem sabe um dia talvez eu mesmo vá a farmácia comprar para mim. E o meu filho com certeza já vai ter acesso a isso. Estimo uns dez anos. É o que eu espero pelo menos.

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