17 de julho de 2006

THC e canabidiol para uso medicinal

Questionado sobre a possibilidade de a combinação de THC e canabidiol para uso medicinal, o doutor José Alexandre Crippa, do Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP), disse que é possível, mas é preciso pesquisas para comprovar.

"A estrutura química das duas substâncias é muito parecida, mas os efeitos são absolutamente opostos. O laboratório fatura milhões no Canadá com esse remédio. Se entrar no mercado norte-americano então... nem se fala". Leia a entrevista.

A Tarde On Line - Pesquisas compravam que o canabidiol detém a ansiedade de modo equivalente ao Diazepam. E estudos ainda não concluídos indicam que o canabidiol pode também ser utilizado no combate à depressão. Durante décadas, um dos principais efeitos colaterais da maconha apontado pelos pesquisadores que a estudam como substância ilícita apresentam a cannabis como uma droga que estimula depressão. Como se dá essa diferença?
José Alexandre Crippa - Há várias hipóteses para isso. Pessoas vulneráveis à depressão tem mais chances de serem dependentes de maconha. Entretanto, há relato de gente que usa maconha para diminuir a ansiedade e melhorar da depressão. Uma das hipóteses é que o THC (principal componente da maconha) tenha efeitos distintos sobre esses dois sintomas. Baixa dose é ansiolítico (diminui a ansiedade) e alta dose é ansiogênico (induz a ansiedade) especialmente em pessoas que usaram maconha poucas vezes ao longo da vida. Além disso, tem o canabidiol, cujo efeito ansiolítico é comprovado. Daí surge um detalhe: o canabidiol reduz os efeitos ruins do THC, que são as intensas alterações do pensamento, as alucinações. Por exemplo, algumas pessoas fumam maconha e desenvolvem quadro de psicose. Se a maconha utilizada tivesse uma quantidade maior de canabidiol o efeito adverso do THC seria evitado. Essa é uma possibilidade. Um paradoxo em relação à maconha.

A Tarde On Line - Apesar de serem substâncias irmãs, o THC apresenta mais efeitos adversos que o canabidiol. A GW Pharmaceuticals combina as duas substâncias em quantidades iguais no Sativex, medicamento aprovado pelo governo do Canadá. A saída para o uso medicinal da maconha vem da combinação do THC com canabidiol?
Crippa ? Pode ser. Na verdade, ainda carece de mais pesquisas. O THC já era utilizado no tratamento de esclerose múltipla e em casos de emagrecimento acentuado nos portadores de HIV. O problema é que quando o paciente toma THC há efeitos benéficos e ruins ao mesmo tempo. Isso porque o THC causa problemas cognitivos: altera a memória, a atenção, a concentração. E efeitos fisiológicos: aumenta a pressão arterial, a freqüência cardíaca, causa sudorese, boca seca, vermelhidão nos olhos. O canabidiol não afeta nada disso. Existem, inclusive, estudos com ratos que mostram melhoria na atenção. Mas isso ainda não está comprovado, é apenas uma hipótese. O único efeito adverso que o canabidiol costuma apresentar é sedação em doses muito altas. A estrutura química das duas substâncias é muito parecida, mas os efeitos são absolutamente opostos. O laboratório fatura milhões no Canadá com esse remédio. Se entrar no mercado norte-americano então... nem se fala.

A Tarde On Line - Mas no final de abril deste ano a Agência de Alimentos e Medicamentos nos Estados Unidos (FDA, em inglês) soltou um relatório que proíbe qualquer uso médico da maconha...
Crippa ? A FDA além de ser um agente regulador, é um órgão político. É como se fosse uma Anvisa norte-americana, e o governo Bush é bastante conservador. Li o relatório. Os argumentos da proibição são muito pobres. Eles dizem que não há evidência suficiente que comprovem o THC com propriedade medicinal. Mas a própria FDA anos atrás disse em outro relatório exatamente o oposto. Há base científica que comprova as propriedades medicinais da cannabis. Basta pesquisar no Google que você vai encontrar centenas de estudos em direção oposta à censura dos Estados Unidos.

A Tarde On Line - Então trata-se de uma proibição ideológica?
Crippa ? Não tenho a menor dúvida. É uma restrição política, e não técnica.

A Tarde On Line - Nos últimos 30 anos o Brasil tem realizado diversas pesquisas que evidenciam o potencial medicinal da maconha. Pesquisas financiadas pela Fapesp e CNPq, com dinheiro do Governo Federal. De onde vem o interesse brasileiro em estudar a maconha já que Sociedade Brasileira de Medicina condena o uso?
Crippa ? São coisas distintas. Canabidiol é uma substância proveniente da cannabis sativa sem efeito psicoativo. Se um adolescente fumar ou tomar canabidiol, não vai curtir barato nenhum. Agora, o interesse em pesquisas sobre a maconha surgiu com a descoberta dos receptores canabinóides. Concluiu-se também que os seres humanos possuem endocanabinóides, que são um tipo de canabinóides endógicos. Ou seja, o ser humano tem uma ?maconha? produzida pelo próprio organismo. Isso só foi descoberto dois ou três anos após identificarem os receptores. Mesmo quem nunca fumou maconha ou sequer ouviu falar, possui uma ?maconha endógena?. Daí foram feitas especulações que associam o sistema de receptores com uma série de doenças: dor, processos inflamatórios e transtornos psiquiátricos. Existe até uma hipótese canabinóide da esquizofrenia. Possivelmente, casos de pessoas que fumam maconha e desenvolvem quadro psiquiátrico ocorrem porque o THC estimula a harmonia existente entre os endocanabinóides e os receptores cerebrais. Atualmente, há um interesse enorme em estudar esse fenômeno. Pode ser a chave para descobrir a neurobiologia dos transtornos psiquiátricos. Há também o interesse em desvendar o potencial terapêutico dos canabinóides. Com as pesquisas, pode ser que sejam desenvolvidas drogas que atuam nos receptores com intenção de amenizar dores e transtornos psiquiátricos.
A Tarde On Line - O Brasil hoje é referência nos estudos sobre o potencial medicinal da maconha?
Crippa ? Não existe país que esteja tão avançado no uso do canabidiol para transtornos mentais como o Brasil. Em especial os trabalhos desenvolvidos pelo professor Antonio Zuardi (USP). Com relação aos canabinóides as pesquisas do professor Elisaldo Carlini (Unifesp) deixam o Brasil entre os cinco maiores centros de pesquisa mundial ao lado dos Estados Unidos, Inglaterra, Israel e Austrália.

A Tarde On Line - Segundo o doutor Carlini, não há mais justificativa ética para os médicos deixarem de receitar o THC ou canabidiol. Por que ainda há tanta resistência em aceitar essas duas substâncias como medicamento?
Crippa ? O problema é que há uma associação negativa com relação à maconha. Muitos dizem que é a erva do diabo, uma droga ruim que vai deixar todo mundo louco. Mas só para ter idéia, há um derivado da heroína que é usado no Brasil e pouco se fala sobre isso. Chama-se dolatina. É usado como medicamento sendo que a heroína é uma substância muito mais deletéria que a maconha. Por outro lado, ainda não se sabe todos os efeitos da maconha. Parece que o uso crônico causa problemas. Há uma série de indicativos nessa direção.

A Tarde On Line - Há pacientes no Brasil que procuram tratamento com canabidiol ou THC? Crippa ? Não. Muitas pessoas lêem nossos artigos, ligam, querem saber a respeito, mas ainda não há tratamento com essas substâncias no país. Para produzir os medicamentos em escala industrial precisaria de uma quantidade enorme de maconha plantada.

A Tarde On Line - Mas recentemente a Polícia Federal fez uma das maiores apreensões do País. Foram incinerados cerca de um milhão de pés de maconha plantados em fazendas no Vale do São Francisco. Ao invés de jogar fora, não poderia ser utilizado para fazer remédios?
Crippa ? Não há essa possibilidade para uso medicinal agora. Estamos trabalhando com um derivado sintético do canabidiol em parceria com um laboratório alemão. E pode ser que no futuro a gente consiga criar possibilidades de produção industrial.

A Tarde On Line - O fato de ser uma planta cujo cultivo é proibido dificulta o desenvolvimento das pesquisas para uso medicinal?
Crippa ? Nunca tivemos restrições com as pesquisas que temos feito. Mas creio que no futuro seja uma questão que exige debate. É difícil até uma opinião pessoal em relação a isso. O fato é que no THC existe um derivado sintético chamado e talvez seja possível utilizar para fins medicinais.

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