27 de dezembro de 2006

Filme de ontem

Nascidos em bordéis (Born Into Brothels), simplesmente imperdível. Documentário filmado na periferia de Calcutá, Índia, com crianças filhas de prostitutas. Vencedor do Oscar 2005.

Que a vida de uma criança nascida do ventre de uma prostituta é coisa dura já é de se imaginar. Sobretudo as que habitam a Luz Vermelha, em Calcutá. Terceiro mundo, mais do que subdesenvolvido: desumano. E se o objetivo é fazer um recorte dessa realidade nada melhor do que passar a câmera para os personagens da história - os próprios rebentos. Foi o que fez a fotógrafa Zana Briski, autora do documentário. Essa é a grande sacada. Descentralizar o olhar, tirar o poder de registro da mão do diretor e deixar que a história seja contada por quem dá origem ao enredo.

Quem curte fotografia fica logo abobalhado. É fascinante ver um monte de guri com máquinas em punho. Briski forneceu o equipamento - máquinas analógicas e filmes coloridos - e pacientemente ensinou noções básicas de fotografia. Básicas mesmo. Nada de obturador, diafragma, campo de profundidade, regra dos terços, contra-luz, dupla exposição etc. Nada disso.

Os garotos aprenderam que fotografia é a arte de colocar o mundo dentro de uma moldura. Que para o filme queimar basta abrir a máquina no momento errado. E que à noite seria necessário usar o flash. Pronto. Foi o suficiente para render imagens geniais. Arrisco até em dizer que as fotos são perfeitas. São imagens que unem fotodocumentarismo e arte em alta dosagem - ou seja, aquela fórmula perfeita traçada por Bresson e Capa e que muitos fotojornalistas se esforçam para seguir a risca.

Pra completar, os garotos também foram incluídos no processo de edição. Creio que seja inédito - ao menos raro - um fotógrafo de formação profissional incentivar o diálogo nesse momento. Porque edição trata de uma decisão crucial, na qual se determina o certo e o errado, o melhor e o pior, o que entra e o que sai. Esse tipo de julgamento só o melhor da equipe costuma fazer. Apenas o mais experiente é considerado hábil para editar. Uma espécie de hierarquia profissional.

E não é que o processo foi invertido? As melhores imagens foram eleitas justamente pelos que tinham menos bagagem. Profissional, quero dizer. As próprias crianças opinaram, defenderam seus gostos, determinaram o que era ruim e o que era bom. O resultado? Aprovado por completo por seletos críticos de arte em Nova Iorque, onde as imagens foram postas em exposição.

As fotos foram vendidas, o dinheiro arrecadado foi revertido em um projeto chamado "Kids with cameras". As crianças passaram a estudar contrariando o fluxo que, mais cedo ou mais tarde, as levaria a ocupar o posto da mãe como ocorre na Índia a cada troca de geração. Melhor impossível.

Só pra florear um pouco mais, Nascidos em bordéis bateu o sucesso de bilheteria de Super Size Me, que ataca as cadeias de fast-food nos Estados Unidos, e Tupac: Resurrection, sobre o assassinato do rapper Tupac Shakur. Também foi bem recebido pelos festivais, incluindo o de Sundance, onde ganhou o troféu do público e foi indicado para o Grande Prêmio do Júri.

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