Filme de ontem
Nascidos em bordéis (Born Into Brothels), simplesmente imperdível. Documentário filmado na periferia de Calcutá, Índia, com crianças filhas de prostitutas. Vencedor do Oscar 2005.
Que a vida de uma criança nascida do ventre de uma prostituta é coisa dura já é de se imaginar. Sobretudo as que habitam a Luz Vermelha, em Calcutá. Terceiro mundo, mais do que subdesenvolvido: desumano. E se o objetivo é fazer um recorte dessa realidade nada melhor do que passar a câmera para os personagens da história - os próprios rebentos. Foi o que fez a fotógrafa Zana Briski, autora do documentário. Essa é a grande sacada. Descentralizar o olhar, tirar o poder de registro da mão do diretor e deixar que a história seja contada por quem dá origem ao enredo.
Quem curte fotografia fica logo abobalhado. É fascinante ver um monte de guri com máquinas em punho. Briski forneceu o equipamento - máquinas analógicas e filmes coloridos - e pacientemente ensinou noções básicas de fotografia. Básicas mesmo. Nada de obturador, diafragma, campo de profundidade, regra dos terços, contra-luz, dupla exposição etc. Nada disso.
Os garotos aprenderam que fotografia é a arte de colocar o mundo dentro de uma moldura. Que para o filme queimar basta abrir a máquina no momento errado. E que à noite seria necessário usar o flash. Pronto. Foi o suficiente para render imagens geniais. Arrisco até em dizer que as fotos são perfeitas. São imagens que unem fotodocumentarismo e arte em alta dosagem - ou seja, aquela fórmula perfeita traçada por Bresson e Capa e que muitos fotojornalistas se esforçam para seguir a risca.
Pra completar, os garotos também foram incluídos no processo de edição. Creio que seja inédito - ao menos raro - um fotógrafo de formação profissional incentivar o diálogo nesse momento. Porque edição trata de uma decisão crucial, na qual se determina o certo e o errado, o melhor e o pior, o que entra e o que sai. Esse tipo de julgamento só o melhor da equipe costuma fazer. Apenas o mais experiente é considerado hábil para editar. Uma espécie de hierarquia profissional.
E não é que o processo foi invertido? As melhores imagens foram eleitas justamente pelos que tinham menos bagagem. Profissional, quero dizer. As próprias crianças opinaram, defenderam seus gostos, determinaram o que era ruim e o que era bom. O resultado? Aprovado por completo por seletos críticos de arte em Nova Iorque, onde as imagens foram postas em exposição.
As fotos foram vendidas, o dinheiro arrecadado foi revertido em um projeto chamado "Kids with cameras". As crianças passaram a estudar contrariando o fluxo que, mais cedo ou mais tarde, as levaria a ocupar o posto da mãe como ocorre na Índia a cada troca de geração. Melhor impossível.
Só pra florear um pouco mais, Nascidos em bordéis bateu o sucesso de bilheteria de Super Size Me, que ataca as cadeias de fast-food nos Estados Unidos, e Tupac: Resurrection, sobre o assassinato do rapper Tupac Shakur. Também foi bem recebido pelos festivais, incluindo o de Sundance, onde ganhou o troféu do público e foi indicado para o Grande Prêmio do Júri.
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