24 de junho de 2007

Batida violenta - PARTE II

Quinta-feira de tarde. Sai do trabalho direto para casa, sem desviar o caminho, preocupada com Bóris, que já não tinha ido passear de manhã com meu pai, como ocorre todos os dias. Céu nublado, nuvens carregadas em tom cinza escuro anunciavam chuva forte a caminho. Me apressei e pedi em pensamento que o motorista do ônibus fosse rápido. Queria chegar em casa antes da chuva pra passear com o cachorro. Preces ouvidas, nem troquei de roupa apenas tirei a mochila dos ombros, peguei a coleira e subi para buscá-lo. Parêntese: Bóris habita a parte de cima do apartamento, uma área modesta de uns 150 metros quadrados, e faz visitas periódicas ao resto da casa. Lá estava ele, o labrador negro, seis meses, cara de dengo, espojado no chão. "Passear, chorro. Bora!", bastou anunciar o motivo da minha presença que ele se ergueu com prontidão. Abri o portão, que folia. Pulou de um lado pro outro, me babou toda. Normal, normal... Desceu as escadas picado. Lá vou eu atrás de Bóris com a coleira na mão. Rodopiou na sala, se esfregou no tapete de motivo inca, cor azul com franja dourada, da minha mãe. Ui, tapete caro, imagina se estraga... Correu pra cozinha, quase derrubou a fruteira, se bateu nos móveis de madeira da sala. Bóris não tem a mínima noção de espaço, é super estabanado, o rabo não pára de balançar um único segundo. Ameaçou entrar nos quartos, mas isso eu não deixei não, embora a coleira ainda estivesse na minha mão. "Passear, cachorro. Tem que botar a coleira", bradei. E Bóris nada de ficar quieto. Prendi o corpo dele com as pernas, segurei a cabeça como se fosse dar um mata-leão, e só assim pra colocar a coleira no pescoço do cão. A essa altura meu braço já estava todo arranhado cheio de marca dos dentinhos dele. Mas é isso mesmo, pensei comigo. Vamos lá, pra rua. Desceu as escadas educadamente, farejando de cabeça baixa pelo canto direito. Parêntese 2: Moramos no último andar de um prédio de 3 andares, acesso de escada, sem elevador. Até os 5 meses Bóris só descia no colo do meu pai. Custou até descer sozinho. Segundo o veterinário, o labrador filhote não tem estrutura para suportar grandes impactos. O ideal é que até os oito meses, pelo menos, ele não suba ou desça escadas de nenhum tipo. Mas um dia ele desceu sozinho, por conta própria, latindo forte, quase chorando de medo. Foi assim que surgiu o portão de madeira. Mas vamos voltar ao primeiro dia de passeio, assim que põe o fucinho pra fora do prédio, naturalmente, Bóris vai farejando tudo o que encontra pela frente. Pára de poste em poste, a cada esquina uma novidade. Subimos a professor Artur de Macedo, rua onde moramos, e quando chegamos na primeira quadra do Jardim Joana D'Arc, começou a chuviscar. Puxei uma corrida pra voltar logo pra casa, ele acompanhou o ritmo numa boa, com cara de satisfação, inclusive. Chegamos ao portão do prédio com pingos grossos martelando em nossas cabeças. Toda vez quando volta do passeio, Bóris carrega a coleira na boca e sobe as escadas até alcançar a porta de casa. Mas nesse dia, atravessou o portão e empacou no pé da escada sem se importar com a chuva, deixando nítido que estava insatisfeito com a duração do passeio. "Oxe, cachorro, vai ficar aí é?". Como não quis papo pra subir, deixei a porta de casa aberta até que ele mudasse de idéia. Passaram uns cinco minutos, e Bóris chegou em casa enxarcado, virado no estopor. Levei várias cabeçadas e patadas até conseguir seca-lo. Subi pra botar a comida com ele colado no meu rastro, pulando, abocanhando meu calcanhar, panturrilha, cotovelo e ante-braço. Vocês não imaginam o estrago no corpo que é a brincadeira de um cachorro grande e pesado, 30 quilos, como Bóris. Quanto mais você tenta parar, quanto mais você empurra, quanto mais você fala alto, mais ele gosta e é aí que não pára mesmo. Dito e certo: levei uma mordida daquelas na cocha direita. Só não arrancou o tampo porque labrador não tem a pegada malígna do pitbul, por exemplo. É cão de caça, não de guarda. Não ataca, mas incomoda e faz estrago ao suplicar por atenção. Até conseguir colocar a comida, a água, fazer engolir o comprimido de cálcio, tirar a coleira, limpar a área e fechar o portão, foi um maratona que além de me deixar impaciente e exausta, resultou em vááááárias marcas rouxas pelo meu corpo, em especial no antebraço e pernas.

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