27 de junho de 2007

Pegada Violenta - PARTE XI

Quarta-feira de noite. Bóris está irreconhecível. São 23h29, na tv o Brasil tá tomando 2 do México. Estamos assistindo juntos a partida, creiam. Bóris está comportadíssimo, antes do jogo dançamos ao som de Maggie Bell, uma inglesa que ao meu ouvido soa como uma mistura de Janis Joplin com Billy Holiday. Não conhecia, ganhei ontem o CD. Tô curtindo... Bóris aprovou, dançou horrores. Quando voltamos do passeio ele não quis mais subir pra área, ficou aqui embaixo, brincamos bastante. Ele gosta de procurar os objetos. Discutimos um pouco e ele entendeu que é melhor ficar na linha aqui embaixo que ficar sozinho lá em cima. Grande companhia...

Pegada violenta - PARTE X

Terça-feira de tarde. Adiantei o serviço pro passeio ser vespertino. Passei o dia mirabolando planos para conter o instinto mordedor de Bóris. É fato que ele precisa me obedecer. A tática: espadinha de jornal no fucinho. Peguei a coleira e fui ao encontro com a espada debaixo do braço. Abri o portão e, para minha surpresa, encontrei um lord. Só cheirou sem pulos de estripulia. Em menos de um minuto já estava com a coleira no pescoço. Feito inédito em tempo record. Nem precisou da espadinha. Bom menino, fomos passear. Tirando a parte dolorida, a convivência com Bóris até que é divertida. É engraçado acompanhar o tino do animal, as reações, os olhares, às vezes se expressa feito gente. E às vezes também me faz passar por ridícula. No passeio estreito, em sentido oposto vinha uma senhora. Pela cara, vi que estava em pânico por causa do porte do cachorro. "Não se preocupe, pode passar, ele não morde, tá seguro". - E o que é isso no seu braço? "Ah, isso aqui? Foi o meu marido, ele é tarado".

26 de junho de 2007

Pegada violenta - PARTE IX

Segunda-feira de noite. Bóris não foi passear, mas recebeu visita. A mesma de quinta. Visita boa, paciente com cães. Brincaram até cansar. Parece que a visita também vai ficar rouxa e é mais um a concluir que ele precisa de uma pegada de jeito.

Pegada violenta - PARTE VIII

Segunda-feira de manhã. Todos no trabalho perguntaram o que aconteceu com o meu braço. Parece até que apanhei de marido tarado. "Foi o meu cachorro", justifiquei. Isso porque não viram a perna... ai ai.

Ele, de novo


P.s.: Ainda não tenho 'A foto' de Bóris. Apenas tentativas com o celular. Também pudera, ele não fica quieto...

25 de junho de 2007

Pegada violenta - PARTE VII

Domingo de noite. Confesso que a tristeza me abateu só em pensar em ir encontrá-lo. Coisa de doido. Ele querendo me ver a qualquer custo e eu querendo correr porque alegria dele iria me machucar. Penso eu: se ele ficasse quietinho, na dele, manerinho, fazendo companhia podíamos assistir filminhos juntos, tagarelar na cozinha enquanto o rango fica pronto. Mas não. Ele não ia deixar fazer nada disso e, ainda por cima, certamente me deixaria mais rouxa ainda. Pensa ele: cadê essa mulher que não aparece? Eu ali adiando o contato noturno, até que recebi visita - diferente da de quinta, cheiro inédito no fucinho dele. Aproveitei a visita e fui botar a comida. Pra minha surpresa, a vasilha de água estava rachada no meio. Bóris até ameaçou estripulias com a visita, mas a implicancia dele é comigo. Nem deu bola pra visita, de novo. Ficou no meu pé. Ou melhor, no meu braço.

Pegada violenta - PARTE VI

Domingo de manhã. Minha folga. É meu dia predileto da semana, mas hoje já acordei imaginando como seria ir colocar comida para Bóris. É que acordei dolorida, o rouxo da perna tá mais rouxo ainda. Respirei fundo, enchi a vasilha e fui encontrá-lo. Preciso repetir? Mais pulos, mais bocadas. É impressionante como ele morde certinho no calcanhar. Empurro pra lá, pra cá, falo alto, mas ele acha que tô de brincadeira e capricha nas bocadas. Tinha esquecido a coleira num lugar baixo, Bóris torou no meio. Vai ficar sem passear. O petshop só abre segunda. Socorro, acho que sem passear ele vai ficar mais eufórico que o normal.

Pegada violenta - PARTE V

Sábado à noite. Demorei uns 15 minutos até conseguir colocar a coleira e fomos passear. Bóris tem mania de colocar o fucinho no portão dos outros. Dessa vez quase se estrepa. Veio de lá um pastor belga latindo alto, virado na porra, querendo saber quem estava ciscando no território dele. Bóris cabrerou total. Nunca tinha visto. Deu um pinote, fez cara de choro. Tadinho, só tem seis meses. Passeamos bastante. Botei pra correr, chegou em casa com a língua pra fora, mas bastou beber água pra ficar insano de novo, pulando e abocanhando feito doido. Isso me estressa tanto...

Carminha disse...

TOC...TOC...TOC ...TEM ALGUÉM AÍ?
Fia, tô preocupada!
Tu não entende nada de cachorro, teu labrador não foi treinado [é cão pra acompanhante de cego e de gente idosa, pra vc ter uma idéia ...] e tu não escreveu nem sábado nem domingo ... CADÊ TU?
Vou telefonar pro periódico!
Em tempo: tu devia ter levado ele pra surfar ... labrador é louco por água e exímio nadador

Respondo...

Carminha, querida, vou tentar te acalmar. Realmente, eu não entendo nada de cachorro. Só sei que na última novela das 8, tinha uma fotógrafa de casamentos - a Isabel, lembra? Aquela que era apaixonada por aquele ator do nariz torto - que morava num sobradinho lindo, ela e um cão labrador amarelo. Nos fins de semana, eles corriam na lagoa Rodrigo de Freitas. Perfeita companhia, sucesso. Sei também que o labrador é o cão farejador predileto da polícia. Em março, após dez anos em busca de papelotes de cocaína, o Dinho se aposentou. E tem uma fêmea, que os traficantes estão doidos pra matar, porque o faro dela é danado de bom. Fora isso, Seo Ari tem dois, sabia? Bóris (tb!) e Faruk. São lindos, grandalhões. Mas lá no Principado tem área verde, jardim e várias árvores pros dois se esbaldar. E são dois, né? Um faz companhia pro outro. Deve ser um porre ser cachorro único. Ah! Tem piscina também, mas não sei se pode tomar banho assim toda hora não. Acho que seo Ari impõe disciplina. Faruk é meio doido, parece que deu trabalho pra quietar. E Bóris meu, coitado, relatei os ematomas feitos no meu braço e perna pro veterinário e ele suspeita que o cachorro esteja estressado com o sumiço do dono. Pior: ele tem ficado muito tempo sozinho, passo o dia no trabalho, só chego de noite pra levá-lo pra passear, e se tem uma coisa que labrador DETESTA é ficar sozinho. O lugar não precisa nem ser amplo - por isso são guias de cego. Cego geralmente mora em apê pequeno - mas é fundamental ter companhia. E a minha presença ele só tem à noite. É isso. Tô aqui já imaginando como vai ser quando chegar em casa. Tanto pulo, patada, mordida... um misto de alegria com ansiedade e várias doses euforia. Eu toda dolorida, fico triste só em pensar. Meu pai sempre o leva à praia, ele adora, nada bastante, mas tem medo das ondas, fica na beira. Esses dias não tenho como levá-lo, estou sem carro, e de busu não rola. Ele gosta também de água de coco, bebe uns dois quando vai à praia. Cenoura é uma das poucas coisas que o deixa parado, fica entretido não bole com ninguém. Pena que acaba rápido. Ah! O treinamento... ele foi adestrado, Carminha, aos quatro meses, pra fazer as coisas no lugar certo e obedecer alguns comandos como: pare! quieto! junto! Só que só meu pai e a guria participaram do treinamento. Ele não me obedece. Quando completar oito meses, passará por outro adestramento. Ainda tenho esperança que ele seja um cão educado.

Pegada violenta - Parte IV

Sexta-feira de noite. Aquela luta pra botar a coleira e fomos passear. Bóris tava naqueles dias de ditador em fúria, querendo determinar o caminho a ser percorrido. COmo ele tinha ficado insatisfeito com o passeio de quinta, deixei-o a vontade. Me levou para umas ruas que não tínhamos ido antes. No meio do caminho, abocanhou um pedaço de osso que encontrou no chão. Trabalheira pra cuspir. Tive que enfiar a mão na boca do cão, resultado: mais arranhões. Engraçado como Bóris tem me feito conhecer melhor o bairro onde moro. Minha relação com o lugar sempre foi de entra-e-sai. É meu pouso, minha morada, mas nunca futuquei a rua nem mesmo tinha prestado atenção em várias casas, prédios e carros que sempre estão por aqui. Tem também muita gente jovem, turminha dos 15 aos 20 e poucos. Se encontram todo dia de noite na esquina de um prédio verde no topo da rua. São umas 10, 12 pessoas - rapazes e garotas. A Bóris sempre rende elogios. "Nossa, como ele é lindo". "Que pêlo bonito". "Tá muito grande pra seis meses". E por aí vai. Descobri que aqui na rua tem também muiiitos cachorros. Uns três de rua e vários em apartamentos e casa. Sempre têm vários donos passeando com seus dogs. Pelo que tenho notado, Bóris é o mais desassossegado.

Ele, o cão


Pegada violenta - Parte III

Quinta-feira de noite. Bóris recebeu visita. Ele obedeceu mais a visita que a mim. Não gostei disso...

24 de junho de 2007

Batida violenta - PARTE II

Quinta-feira de tarde. Sai do trabalho direto para casa, sem desviar o caminho, preocupada com Bóris, que já não tinha ido passear de manhã com meu pai, como ocorre todos os dias. Céu nublado, nuvens carregadas em tom cinza escuro anunciavam chuva forte a caminho. Me apressei e pedi em pensamento que o motorista do ônibus fosse rápido. Queria chegar em casa antes da chuva pra passear com o cachorro. Preces ouvidas, nem troquei de roupa apenas tirei a mochila dos ombros, peguei a coleira e subi para buscá-lo. Parêntese: Bóris habita a parte de cima do apartamento, uma área modesta de uns 150 metros quadrados, e faz visitas periódicas ao resto da casa. Lá estava ele, o labrador negro, seis meses, cara de dengo, espojado no chão. "Passear, chorro. Bora!", bastou anunciar o motivo da minha presença que ele se ergueu com prontidão. Abri o portão, que folia. Pulou de um lado pro outro, me babou toda. Normal, normal... Desceu as escadas picado. Lá vou eu atrás de Bóris com a coleira na mão. Rodopiou na sala, se esfregou no tapete de motivo inca, cor azul com franja dourada, da minha mãe. Ui, tapete caro, imagina se estraga... Correu pra cozinha, quase derrubou a fruteira, se bateu nos móveis de madeira da sala. Bóris não tem a mínima noção de espaço, é super estabanado, o rabo não pára de balançar um único segundo. Ameaçou entrar nos quartos, mas isso eu não deixei não, embora a coleira ainda estivesse na minha mão. "Passear, cachorro. Tem que botar a coleira", bradei. E Bóris nada de ficar quieto. Prendi o corpo dele com as pernas, segurei a cabeça como se fosse dar um mata-leão, e só assim pra colocar a coleira no pescoço do cão. A essa altura meu braço já estava todo arranhado cheio de marca dos dentinhos dele. Mas é isso mesmo, pensei comigo. Vamos lá, pra rua. Desceu as escadas educadamente, farejando de cabeça baixa pelo canto direito. Parêntese 2: Moramos no último andar de um prédio de 3 andares, acesso de escada, sem elevador. Até os 5 meses Bóris só descia no colo do meu pai. Custou até descer sozinho. Segundo o veterinário, o labrador filhote não tem estrutura para suportar grandes impactos. O ideal é que até os oito meses, pelo menos, ele não suba ou desça escadas de nenhum tipo. Mas um dia ele desceu sozinho, por conta própria, latindo forte, quase chorando de medo. Foi assim que surgiu o portão de madeira. Mas vamos voltar ao primeiro dia de passeio, assim que põe o fucinho pra fora do prédio, naturalmente, Bóris vai farejando tudo o que encontra pela frente. Pára de poste em poste, a cada esquina uma novidade. Subimos a professor Artur de Macedo, rua onde moramos, e quando chegamos na primeira quadra do Jardim Joana D'Arc, começou a chuviscar. Puxei uma corrida pra voltar logo pra casa, ele acompanhou o ritmo numa boa, com cara de satisfação, inclusive. Chegamos ao portão do prédio com pingos grossos martelando em nossas cabeças. Toda vez quando volta do passeio, Bóris carrega a coleira na boca e sobe as escadas até alcançar a porta de casa. Mas nesse dia, atravessou o portão e empacou no pé da escada sem se importar com a chuva, deixando nítido que estava insatisfeito com a duração do passeio. "Oxe, cachorro, vai ficar aí é?". Como não quis papo pra subir, deixei a porta de casa aberta até que ele mudasse de idéia. Passaram uns cinco minutos, e Bóris chegou em casa enxarcado, virado no estopor. Levei várias cabeçadas e patadas até conseguir seca-lo. Subi pra botar a comida com ele colado no meu rastro, pulando, abocanhando meu calcanhar, panturrilha, cotovelo e ante-braço. Vocês não imaginam o estrago no corpo que é a brincadeira de um cachorro grande e pesado, 30 quilos, como Bóris. Quanto mais você tenta parar, quanto mais você empurra, quanto mais você fala alto, mais ele gosta e é aí que não pára mesmo. Dito e certo: levei uma mordida daquelas na cocha direita. Só não arrancou o tampo porque labrador não tem a pegada malígna do pitbul, por exemplo. É cão de caça, não de guarda. Não ataca, mas incomoda e faz estrago ao suplicar por atenção. Até conseguir colocar a comida, a água, fazer engolir o comprimido de cálcio, tirar a coleira, limpar a área e fechar o portão, foi um maratona que além de me deixar impaciente e exausta, resultou em vááááárias marcas rouxas pelo meu corpo, em especial no antebraço e pernas.

Batida violenta - PARTE I

Quinta-feira de manhã. Feriado junino, todos viajaram. A família fez as malas e botou o pé na estrada sem previsão de retorno. A mim, prisioneira de um patrão, além de ir trabalhar no vespertino digital, me coube a tarefa de cuidar de Bóris, o cão da casa. Detalhe: anunciaram a odisséia de supetão, na véspera da viagem. "Não esqueça de colocar a comida três vezes ao dia. Tem que trocar a água também, mas dê um intervalo entre a água e a ração, porque ele come muito rápido e pode ter uma contratura estomacal", orientou papai. Credo, pensei comigo. Tudo bem, não se preocupe não vou matar o cachorro. "Ah, tem que dar o cálcio todo dia de noite, vê se não esquece". Certo, acrescentei à lista de tarefas caninas. "E tem que passear com ele todos os dias". Tá bom, disse. Minha irmã - a dona do cachorro em parceria com meu pai - na hora de partir fez lamento com cara de choro: "Ô, Tássia. Cuide dele, não esqueça não". Tá bom, garota. Tá achando que sou irresponsável, que saco, é só um cachorro, retruquei. "Bom São João, filha. Fique com Deus", despediu-se mamãe. Recomendações delegadas, beijos e abraços devidamente propagados na despedida, segui para o trabalho sem nem imaginar o tormento que me aguardava.

Agouro

Há alguns dias circula aos quatro ventos que Toinho tá com o pé na cova. Burburinhos dão conta de que o causo é grave e que dessa vez não tem escapatória. Será? Hum, sei não... Na última quarta-feira, o neto e uma das netas foram as pressas para o Incor, onde o senador está internado por conta de um quadro de insuficiência cardíaca, além de disfunção renal.

Ouvi vários comentários na rua sobre o assunto. Uns garantem que ele já foi, outros seguem ávidos por novidades. Jornais de todo o país não param de ligar para a redação do Correio da Bahia na tentativa de confirmar alguma informação convincente.

Deu na Folha de ontem que ACM recebeu a visita dos familiares e, de acordo com o filho mais velho dele, Antonio Carlos Magalhães Júnior, o pai falou ao telefone, leu jornal e quis saber de tudo que estava ocorrendo no Congresso, principalmente do caso do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Mais típico impossível...

Nessa de já foi ou quando vai, destaco aqui um cometário feito minutos atrás.

- Sim, me conta uma coisa... é verdade que ACM morreu?
Eu: Bom, deu na Folha que ele tá se recuperando...

- Me disseram que ele morreu e iam abafar ate o dia 2 pra virar o DIA DE ACM, já que ele odeia o nome DOIS DE JULHO.

22 de junho de 2007

Myself


Hoje, na Escola de Teatro da Ufba

16 de junho de 2007

Quinta-feira [full power]


Impossível acreditar na imortalidade das almas mesquinhas >>
Carlos Drummond de Andrade

Quarta-feira [away]


Se precisamos de paciência para nos suportamos , quanto mais para suportamos os outros >>
Carlos Drummond de Andrade

13 de junho de 2007

A pauta não mudou

Jô Soares acaba de encurralar o Ministro da Saúde. Enquanto falavam sobre o panorama da saúde pública no Brasil, aparece no telão - aquele que fica bem em cima da cadeira do entrevistado - uma foto de uma casinha de palafita, estrutura de madeira, uma porta uma janela, coisa pobrezinha pobrezinha, lá longe bem ao léu. E o gordo disparou: Ministro, isso é um posto médico. Isso é um posto médico, ministro? O ministro, na beca, gravata bonita, respondeu na sola: Não, Jô. Isso é uma estrutura, uma construção típica do norte do país." Mas aí funciona um posto médico, ministro. Milhares de pessoas dependem dele. Por que isso acontece no Brasil?", retrucou. "Olha, Jô, o Brasil apresenta disparidades no sistema de saúde pública que vão de unidades de referência como o Incor [Instituto do Coração em SP] a estruturas como essa que você acabou de mostrar pr'gente. Isso ocorre porque desde a década de 60 com o crescimento dos grandes centros urbanos, a expansão das favelas e, conseqüentemente, a falta de investimento em saneamento básico... blá blá blá, blá blá blá..."

A questão que trago aqui não é a relevância da resposta do ministro para um problema que assola o nosso país e que, naturalmente, é do conhecimento de vocês, meus amigos-leitores. Vamos falar de uma realidade. Estive na ilha de Marajó em agosto de 2005 com Fábio Caraciolo, meu amigo Bito. Fomos lá no extremo norte do país conhecer aquele pedação de terra [do tamanho da Bélgica e da Holanda juntos]. Não havia em nosso imaginário outra referência àquela ilha que não fosse o que aprendemos durante as aulas de geografia no ginásio: casa dos búfalos na foz do rio Amazonas. Mas como já estávamos crescidinhos - eu com 21, ele com 24, e a visita em questão não era um safari turístico e sim uma expedição missionária que resultaria em uma fotoreportagem, nosso material de conclusão de curso, o famoso TCC [olha a responsa] - nos abastecemos de toda informação sobre o local disponível em livros, pesquisas do IBGE, mapas, páginas na internet e conversas com pessoas que haviam passado por lá. Denizita, inclusive, quando soube da viagem, ficou toda prosa, me encomendou jarinas [uma semente típica da região, imita um marfim, lindinha pra fazer bijou], mas acabou que eu nem trouxe [Perdona, mi querida. Não foi por má vontade, foi falta de tempo mesmo].

Enfim, nos abastecemos de informação, nos viramos em dinheiro [$$$], arranjamos máquina emprestada [salve, salve Luciano Andrade, grande fotógrafo e sua nikon F4], juntamos a nossa máquina com a da faculdade, teleobjetiva, um laptop, gravadores digitais, mais câmera portátil pra fazer vídeo, duas redes, repelentes [e vacinas, é claro], botamos tudo na mochila e fomos. Fomos, meus caros... de avião, de barquinho, de barcão, de bicicleta, a pé, de moto, carreira de búfalo, de carona em pau de arara. Fomos para a linha do equador, mais precisamente a zero graus e 39 minutos, debaixo de um sol desgraçado, úmido, sem direito a um resquício de sombra naquelas planícies com dimensão a perder de vista. Água por todos os lados, inclusive debaixo das casas, difícil mesmo era a potável para beber sem medo. Passei mal pacas, sol na moleira bate onda, mas isso eu conto outro dia.

Vamos voltar para a questão primordial, o posto médico. Tinha um igualzinho ao que passou no Programa do Jô em frente a casa das irmãs fraciscanas, onde ficamos hospedados por 15 dias, na Vila de Jenipapo. Medonho, gente. Medonho. Só vendo pra crer. Aliás, em tempo: tudo o que lemos sobre Marajó antes de viajar, quando aportamos na ilha, logo de cara, percebemos que a realidade era 5x mais dura do que os livros contavam, a começar pelos meios de transporte.

Todo dia eu e Bito passávamos pela porta do posto e ficávamos imaginando como seria por dentro aquela estrutura precária, que insistiam em chamar de ambulatório. Aquilo era pauta nua e crua diante dos nossos olhos, não tinha como deixar escapar. O engraçado é que víamos diariamente o entra-e-sai de crianças, adultos e velhos no local. "A cadeira do dentista está quebrada, você levanta e cospe pela janela", contou ir. Zileide, uma noite durante o jantar. Em tempo novamente: falta de comida a gente não pode reclamar. As freiras cozinham bem demais, tudo bem que a comida típica é meio esquisita, mas tinha pão, bolo, queijo, cuzcuz, arroz, feijão e carne [de búfalo, é claro]. Levamos ovos, mas depois de ficar 18h no porão do barco que nos levou de Belém a Jenipapo, os ovos cozinharam e acabamos jogando fora.

Fizemos várias pautas - educação, saneamento básico, lazer, moradia. O posto médico foi a última. Você entra na casinha e pergunta: ué, cadê as coisas? POr "coisas" entende-se: médico, enfermeira, maca, aparelhinhos dos médicos, remédios, ambulatório, uti, sala de parto, sala de cirurgia. Nada. Nadinha, nothing, niente, necas de bitibiriba. Tinha uma cadeira roída por ratos, uma maca sem lençol, uma geladeira velha, uma pia sem torneira e sem tubulação e uma prateleira com remédios, prontuários e produtos de limpeza, assim, tudo juntinho sem distinção no mesmo espaço. Ah! Tinham também váááárias teias de aranha. Pelo porte da seda tecida, imagino o tamanho das bichas.
Bom, destaco aqui o pedaço da reportagem que aborda o assunto, material feito em 2005.

A pauta

A dificuldade de locomoção interfere diretamente nas condições de vida do marajoara. Compromete, até mesmo, o acesso ao serviço médico. Na Vila de Jenipapo existe apenas um posto de saúde. O médico que fazia o atendimento deixou o local no início de agosto e não há previsão de substituição. “As pessoas gostavam do doutor, mas ele recebeu uma proposta de trabalho melhor, e a prefeitura não conseguiu cobrir a oferta. Somos o quinto menor município do Pará, com fundo de participação de apenas 0,6%”, justifica a secretáriade educação do município.

Instalado num imóvel cedido pela Diocese de Ponta de Pedras, o posto médico possui infra-estrutura precária. “A cadeira do dentista jamais foi usada”, diz Elza Gemack, funcionária do posto. O estofado foi roído por ratos e os botões estão inferrujados. “Não tem dentista, mas tem gente que extrai dente em casa sem anestesia”, revela irmã Sirleide.
Faltam remédios dos mais simples - carência geralmente suprida com o uso de plantas medicinais, porém, em alguns casos, apenas um chá não é suficiente.

Foi o que aconteceu com Cristiano, 17 anos. O rapaz era um dos mais engajados no projeto da brinquedoteca e de repente se ausentou da atividade. Todos estranharam o sumiço. Três dias depois, o padre Roberto o encontrou deitado numa rede, na casa de uma tia, com febre alta, moleza e dores no corpo [foto à direita]. Bastou uma dose de antitérmico que no dia seguinte o garoto estava de pé.

Como o médico foi embora, uma enfermeira de Santa Cruz vai uma vez por semana a Jenipapo. “Tem também duas moradoras da vila que sabem fazer curativo e ficam em casa de sobreaviso caso alguém se machuque. Mas se o corte for profundo tem que encaminhar para Santa Cruz”, conta.

Nas situações de emergência, o doente fica confinado a sofrer durante longas viagens de barco de Jenipapo até Belém. Detalhe que a viagem de barco acontece apenas uma vez por semana e a duração do percurso depende da cheia do rio. Se o caso for realmente grave, diz Arlete, um avião leva o paciente até a capital. “Cada viagem custa R$ 1 mil e por mês só podem ser feitas cinco para não estourar a cota”, diz.

O curioso é que enquanto os doentes agonizam em viagens que duram mais de 15 horas, sem conforto, a caminho do médico, a reportagem descobriu que o prefeito do município, Fernando Lobato, reside em Belém e utiliza com cunho pessoal as cotas das viagens de avião, que seriam destinas ao transporte de pacientes. A informação foi confirmada por Aroldo Malato, secretário de Lobato. "O prefeito está na capital, mas vem para a ilha. Eele tem uma fazenda e vem toda sexta-feira com o avião da prefeitura".

Com relação ao saneamento básico, é possível observar que nos arredores da vila a situação também é grave. Crianças costumam brincar próximo a locais com água parada, onde não há rede de esgoto [foto acima] o que facilita a contaminação por vermes e bactérias.
As mulheres que dão a luz em Santa Cruz voltam para casa carregadas numa rede [foto à esquerda]. O gesto poupa a parturiente de esforços desnecessários e revela um pouco mais da rotina resignada do marajoara, conhecida apenas por aqueles que habitam o local.