23 de julho de 2008

Momento água na boca


Esse é um prato que eu estava salivando faz quase dois meses: carbonara com abobrinha, receita insipirada no livro Jamie at Home, de Jamie Oliver. Vi no blog de Ludmila numa noite insone, vagando na internet, sem ter o que fazer, em Luanda. Por dias e dias rezei pra encontrar abobrinha no supermercado perto da casa onde morava, mas o abastecimento de frutas e verduras em Angola é completamente incerto e irregular. Você nunca sabe o que te espera na prateleira. Não dá pra ficar planejando receitas afim de saciar desejos. Come-se o que tem. Um dia tem beterraba, cebola e batata. E só. Na outra semana, somem as beterrabas e aparecem cenouras. Manjericão fresco, por exemplo, é especiaria rara, raríssima. Na verdade eu nunca vi, o pessoal que dizia encontrar vez ou outra. Sem falar que nem sempre os hortifruti têm aparência agradável ao estômago. É fácil deparar com cebolas semi-estragadas, minando água entre as camadas folhosas, brócolis mofado e presuntos esverdiados. Iogurte então, nem se fala. Por causa da guerra - embora tenha terminado em 2002 -, Angola não produz absolutamente nada em larga escala. Tudo é importado. Tomate e chocolate vêm da África do Sul, carne do Uruguai, queijo da França, arroz é o nosso Tio João e por aí vai. Eu ficava radiante quando encontrava uva e ameixa fresquinhas. Por outro lado, bastante chateada quando tinha que esperar mais de quatro semanas pra encontrar uma latinha de leite condensado. Os produtos chegam no país de navio e o percurso até o consumidor é longo. O porto de Luanda é o mais congestionado do mundo, isso é um fato, qualquer angolano pode te garantir. Às vezes, um navio fica mais de dois meses - isso mesmo, creia! - pra descarregar a mercadoria, por isso muita coisa estraga, passa da validade e, ainda sim, é o que aparece como disponível na prateleira do supermercado mais próximo de você.
Trauma superado, hoje fui passear na Perini. Acordei determinada a fazer a receita da Lud. Até mesmo porque tava tudo tão explicadinho ali no blog, achei que não teria como dar errado, mesmo sendo a primeira tentativa. Dito e certo. Fui de penne, como ela tinha sugerido e ficou uma coiiiiisa suculenta, saborasa. Servido imediatamente, divino. Quase esqueço de fazer a foto, vide o prato semi vazio.
Pra acompanhar, salada verde: alface, manjericão e agrião com um fio de azeite pra temperar. De sobremesa, modestos morangos frescos [sem creme de leite! já foi um monte no molho do macarrão, é bom não abusar da balança]. Digo modesto, porque morango de verdade é no Quebec, confira no blog de Lud, mais uma vez.

Fotógrafo que é fotógrafo, merece!

22 de julho de 2008

Nota da autora

Pé de volta à Bahia, mais do que na hora de atualizar este template. A seqüência dos dois miúdos negros penteando o cabelo - de costas pra nós, de frente pro mar -, feita logo quando cheguei em Luanda, sai de cena após quase três meses de exibição no rodapé deste blog.


No lugar das cores africanas, trago a sutileza do PB de Verger. As imagens fazem parte da exposição "O Japão de Pierre Verger", em cartaz no Conjunto Cultural da Caixa, na avenida Carlos Gomes. Vale muito a pena conferir.

Semana passada fui lá com Peu. Por alguns minutos ficamos de pé discutindo até que ponto "a fotografia de Verger é ingênua", como sugeria o texto de abertura escrito na parede do foyer. Talvez uma referência ao fato de ter sido uns dos primeiros ensaios de Verger como fotógrafo.

São cem imagens fantásticas, algumas inéditas, inclusive. Tem gueixa de olhar indecifrável, retratos de crianças tímidas - exceto esse guri linguarudo aí do lado - e rapazes banguelos. Curioso ver o Japão da década de 30 nos olhos de Verger. E pensar que aquela cena urbana - com ruas largas, carroças de roda de madeira ao invés de carros consumidores de petróleo, pouca gente transitando a passos lentos entre construções de porte modesto -, apontava para um futuro de paranóia high tech. É nessas horas que me bate um suspiro nostálgico com ar de reflexão careta: o mundo mudou. Mundo que nem vi.


Prostituição
Tóquio, 1934


Tem também fotos de paisagem, com destaque para textura e contraste de belas árvores e pontes tipicamente nipônicas, além de cenas num navio. Tudo isso com uma luz magnífica, de arrancar aplausos de admiração. É incrível como predomina o real preto e o branco. Quase não se vê variações em tons de cinza. Estava meio viciada no enquadramento wildscreen. Ver todas aquelas imagens no quadrado da Rolleiflex me trouxe um certo ânimo. Na verdade, Pedro consegue ser mais fã do formato quadrado do que eu.

Enfim, gostamos muito. Inevitavelmente, o mestre sempre agrada esses dois pendejos viciados em fotografia. Em umas duas fotos Verger aparece discretamente no reflexo do vidro [repare bem essa foto aí em cima]. A gente fica ali horas e horas olhando como se fosse possível fazer algo mais do que apenas reverenciar. Longe da "arte" de imitar, fica a possibilidade de captar uma boa dose de inspiração pelo simples fato de olhar com encanto.


Na ordem, de cima pra baixo: Viagem no Tatsua Maru, idem, Mulheres, Crianças. Japão, 1934

19 de julho de 2008

Feito feto no útero, passarinho no ninho

O bom de voltar pra casa é se ver em cada detalhe da rotina que dá sentido ao ambiente familiar. São marcas sutis, sem importância quando afastadas do raio que te ampara no mundo, mas, pelo simples fato de estarem ali, no metro quadrado da família, traduzem misteriosamente quem você é, ou, ao menos, um pedaço, um grande pedaço, do que existe em você. Falo daquela caneca colorida no armário na cozinha. Dos livros empilhados de qualquer forma na estante abarrotada, sempre com espaço para novos ensaios e autores. Dos três telefones pretos e da toalha branca empendurada no banheiro. A voz do maior, quando soa, nem sempre é masculina. São três mulheres para um homem: quatro pratos na mesa do almoço de domingo.

16 de julho de 2008

home sweet home!

8 de julho de 2008

Dá uma geral, faz um bom defumador,
enche a casa de flor
Que eu to voltando
Chico

7 de julho de 2008

Fico por aqui

Muxima é uma palavra bonita que aprendi em Angola. Significa amor, coração, sentimento. Vem do kimbundo, língua falada nas províncias do Bengo, Malanje e Kwanza. Do dia em que decidi voltar pra casa, andei com muxima nos olhos, reparando com um pouco mais de afinco cada detalhe dessa cidade.

Ruas sempre congestionadas por kandongas e jipes de luxo, importados. Desfile de AKs e outras armas de guerra em cada esquina da cidade. Prédios hi-tech, com luz de gerador, recém erguidos na marginal a beira-mar. Os guindastes de contrução. Poeira de arder os olhos e irritar o nariz. A força braçal chinesa. O véu mulçumano. As ofertas das zungueiras. Gente. Gente negra fugida de todas as partes de Angola. Gente negra rica, facilmente identificada por um brilhante azul, da mais pura safira, cravado em anel de ouro. Gente de fora. Gente pobre, muito pobre, de vida miserável abaixo da linha da pobreza, nos musseques com fome, lixo e paludismo. Sem água. Mar e céu cor de cacimbo. Imbundeiros ancestrais de folhas caducas. A leveza dos miúdos dançarinos de kuduro, a ousadia dos putos, pilotos imprudentes de moto, e a birra dos kotas. As catorzinhas. A corrupção amplamente impregnada em todos os níveis sociais. Elementos imediatamente identificados na minha chegada. Após três meses, tudo permanece no mesmo lugar. A diferença é que tive oportunidade de caminhar um pouco entre eles. Hoje olho para Luanda e emprego à cidade um novo significado.

Angola promete. José Eduardo dos Santos, presidente da maioria há 27 anos, governa absoluto no território que foi colônia portuguesa por cinco séculos, lavado por mais de três décadas de sangue do conflito armado mais extenso do mundo ocidental. Promete, mais pra frente, ser alguma coisa passível de compreensão. Digo isso porque, até então, em pleno processo de reconstrução nacional, saio com a sensação de ter pisado em um território sem definição. Olho ao redor e sinto como se tudo e todos seguissem embalados por uma profunda ressaca. O caminho, pra onde o futuro aponta, não me parece promissor.

Aqui estive por cem dias, o suficiente para me revirar de ponta-cabeça. Hoje, com a mala feita, faltando poucos dias para deixar o país, pondero com tranquilidade a minha estada em Angola. Foi na medida certa. Por motivos vários, era necessário a minha vinda. E por outros motivos vários aqui vividos, não poderia ter sido um dia a menos nem a mais.

Falo isso porque vivi tudo ao extremo. Do profissional ao pessoal. Até tive, pela primeira vez na vida, medo do escuro. Medo real, longe de qualquer bicho papão subjetivo. Medo por ter que circular noite a fora em uma cidade desabastecida de luz elétrica, onde aproximadamente 4 milhões de pessoas vivem excluídas nos musseques.

Luanda está longe de ser uma cidade acolhedora. A falta de infra-estrutura, em um universo composto por acirrado desnível social, somado à instabilidade geopolítica - principalmente a situação atual externa, nos países vizinhos - elimina, por exclusão, a condição mínima de bem- estar. O fato de ser estrangeiro pesa ainda mais. Embora seja mão-de-obra necessária à reconstrução do país, o tratamento por parte da maioria da população é hostil, xenofóbico. E tem lá suas razões... A cidade exige, de quem aqui está, pulso firme e estômago forte. Não há muito tempo pra pensar, apenas é necessário agir. Ou melhor, reagir. O que compensa são os objetivos pessoais, o mergulho na cultura africana e, principalmente, tudo aquilo que a gente deixa e recebe ao lançar o corpo no mundo, como as relações estabelecidas em meio ao caos, aquilo que entendo como prova sincera de amizade.

Luanda grita porque assim é necessário para se consolidar como nação. Meus sentidos já não suportam tanta agitação. Volto pra casa em busca de sossego. Para os que me aguardam, muxima é o que levo de melhor após ter conhecido esse pedaço da África.

5 de julho de 2008

Se vê que vai cair
Deita de vez, ó nêgo
Junio Barreto

O diamante é só um lápis que não deu certo
Denis Rivera

4 de julho de 2008

Para apalpar as intimidades do mundo
é preciso saber (...)
como pegar na voz de um peixe
Manoel de Barros

3 de julho de 2008

2 de julho de 2008

Hai que endurecer
Um coração tão fraco
Prá vencer o medo
Do trovão
Sua vida aponta
A contramão...
Lenine e P. Moska

Bahia ou Angola?


Arredores do Benfica

Eu quero ver
Quando Zumbi chegar
O que vai acontecer
Jorge Ben

1 de julho de 2008

Começa hoje minha contagem regressiva de volta pra casa.

18 de junho de 2008

E o Oscar vai para...

André Vieira, com a reportagem Nova Angola.

Só quem sabe o que é Luanda saberá lhe dar valor
Gil

11 de junho de 2008

Aloha'n Africa

especialmente postado para o meu doidOO predileto




Outro dia, em Cabo Ledo

Reflexão do dia

Luanda é uma história de gibi.

Nenhum pensamento de infância,
nem saudade nem vão propósito.
Somente a contemplação de um mundo enorme e parado
Drummond

10 de junho de 2008

I know
Jah never let us down
Bob

9 de junho de 2008

Parece publicidade, mas é fotojornalismo

Novos formatos. Adeus aos bonecos. Páginas 2 e 3, da edição desta segunda-feira do Público.

Troca-troca no exílio

Peguei o iPod de João emprestado pra copiar Los Sebosos Postizos. -Faz tanto tempo que queria ter as faixas do show "Uma noite do Ben" comigo. Tinha ouvido uma vez, bem antes de vim pra cá, na casa de um amigo. Coisa mais gostosa Du Peixe cantando Jorge Ben anos 60 e 70. Ele, Lucio Maia e Pupillo, da Nação Zumbi ,com Bactéria, do Mundo Livre S/A. Bom... muito bom.- Acabei descobrindo Mayra Andrade. A voz, a melodia, o violão, as poucas palavras que compreendi faixa pós faixa, tudo isso agradou os meus sentidos. Fui no Oráculo desvendar a origem dessa voz. Nasceu em Cuba, cresceu em Angola e no Senegal, passou pela Alemanha, mora em Paris. Pra completar, tem cara de brasileira. Eu hein, mistura doida, boa. Não conhecia.

Sobre delíros que pairam e ficam

Minha saudade tem nome: pé de abacate.
Tem sabor: Calrsberg gelada.
Tem destino: mar da Bahia.
É sem pressa e não demora.
(me) Enrola.

Sobre mundos e armários

Parte da angústia do ser humano é não saber lidar com o inexorável. Sei que a minha é, ao menos, em parte por isso. Tampouco sabemos quantas coisas temos e de quantas precisamos até termos que nos mudar. Tenho até saudades das coisas que ficaram, porque escolher o que trazer primeiro é tão complicado. E nem caberia tudo nesse quartinho que, à primeira vista não tem nada. É que ele tem um armário enorme embutido na parede, onde está todo o meu mundo. Voltei a ter o meu mundo em um armário, como tinha quando era pequena. [perfeitamente definido por Camilla. Ela e eu ]

Quero tomar chá de jasmim
Com você de novo
Embaixo daquela árvore florida
Naquela xícara misteriosa
Que a vovó ganhou da baronesa
Aquela xícara miraculosa
De porcelana de sachê
Jorge Ben
pra ouvir na versão Los Sebosos Postizos

7 de junho de 2008

Fim de semana



Lembram do kit básico de viagem? Encaramos 700 km, antes de o sol raiar, até o Lobito.


O caminho


Cochilei uns quilômetros até despertar confusa com o solavanco do carro. Achei que tava no sertão da Bahia.

Segui em silêncio. A paisagem foi ficando diferente. Depois da curva, entendi o caminho.



Primeira parada: Porto Amboim



Dizem que antes da guerra não era assim

Avistei rapidamente uma opção de hospedagem

Mais da metade do caminho

Sumbe, distrido do Kwanza Sul. Nesse tipo de comunidade, o soba comanda o pedaço. É bom procurá-lo, ao invés de chegar sem aviso.

Linha de chegada

Lobito, enfim

A arte do equilíbrio

Lauro de Freitas-Portão? Nãnão. Talatona-Benfica. Essa van azul se chama
Kandonga. O piloto, kandogueiro. É o meio de transporte disponível para situações quando
só a canela não basta. Não tem ônibus nem táxi em Luanda. Quando chegar no
aeroporto, peça pra alguém ir te buscar. Fica a dica.


É tanta gente indo e vindo nessa cidade. Gente daqui, gente de lá. Gente das Europa. Gente da China. Até o povo de Alah. Unidos para reconstruir Angola. Boa parte dos rostos que vejo na rua, fico sem saber se é da Bahia ou de Angola. Tudo muito parecido. A pele, o nariz, a forma de andar, o cabelo trançado, o sorriso largo. Queria saber carregar as coisas na cabeça. Algo mais além de idéias. Não entendo como uma mulher consegue equilibrar uma dúzia de ovos na cabeça. Se eu tiver que andar cem metros com o mesmo pacote nas mãos, é grande o risco de tudo se espatifar no chão. Com elas não. Sobe, desce calçada. Vira pro lado pra ver se vem carro na hora de atravessar a rua. Pára na pista, conversa com a amiga. Traz o miúdo amarrado na cintura. Passo apressado pra chegar rápido em casa. É tão fácil, tão natural, tão desinibido no cenário sofrido. Devo ser mesmo uma pessoa sem prumo na vida.

6 de junho de 2008

Venho até remoçando
Me pego cantando,
sem mais nem por quê
Tantas águas rolaram
Chico

3 de junho de 2008

Efeito cacimbo

Tem dias que fico assim
Assim como?
Sei lá, meio assim

Meio assim como?
Assim... meio sei lá

Tá bom.
Pois é...
Mas como é esse meio assim?
Como se fosse um inteiro assim.

Sei. Inteiro, né?
Quase.
Quase ou inteiro?
Meio a meio...
Meio quase e meio inteiro.

Adaptado de Definido sem pontuar.

29 de maio de 2008



Quem por lá esteve, por favor, me traga notícias!

[vem aí a história legítima, como vc nunca viu]

HOJE | às 20h | no MAM-BA

[imperdível!]

28 de maio de 2008

Retardatários da indústria cultural
Sempre ouço nas rádios locais quando sintonizo a caminho do trabalho: Humbop, dos Hansons e Holiday, de Madonna.


Delay na bilheteria
Passei na porta do cinema novamente. Juno entrou em cartaz. Persépolis vem em breve. Assisti Haverá Sangue. Expressamente: não recomendo.


Alguém me acode, faz favor
Domingo passado teve show de Maurício Matar. Nesse agora, vai ter Ivetão. Dois bons motivos pra não gastar dinheiro e ligar o iPod.


Meu Channel nº5
OFF em creme proteção reforçada para crianças e Altan em spray. São as minhas fragâncias em Luanda.

O mundo é mesmo de cimento armado.
Drummond

26 de maio de 2008

Céu de cacimbo


Arredores de Luanda, Angola

22 de maio de 2008

21 de maio de 2008

Kit básico de viagem

Dica do angolano Mario Almeida

Em África, mandam as regras de segurança que os viajantes devem utilizar pelo menos 3 viaturas, levar combustível suplementar, 2 pneus de socorro, cabo de reboque, caixa de ferramenta, alimentos para alguns dias e não esquecer água potável. A viagem pode correr muito bem, mas se houver uma avaria temos de estar prevenidos. A deslocação de carro é a mais aconselhada, mas quem pretender e tiver kumbu* pode alugar um helicóptero.

(*) Em kibundo, dinheiro.

20 de maio de 2008

Lotação


Último domingo. Luanda Sul

Adeus, Jeffrey's bay



Página bem pensada visualmente. Gosto dessas fotos abertas. Valoriza o assunto. Esse jornal tem boas soluções na programação gráfica


Logo que decidi vim de mala e cuia, morar e trabalhar em Angola, afora as adversidades típicas do mundo subdesenvolvido, a primeira coisa boa que me veio à cabeça foi a possibilidade de viajar pela África. “Unir o útil ao agradável”. Com residência fixa em Luanda, aproveito as férias, a cada três meses, pra conhecer os países vizinhos, pensei comigo mesma dias antes de pegar o avião. Doce engano.

Intocado desde a adolescência no meu imaginário, o primeiro destino seria a África do Sul. Mais especificamente Jeffrey’s bay, a praia das ondas dos sonhos. Foram muitos os vídeos de surfe que assisti anos atrás, em sessões de relax com os amigos, uma época remota, na qual sequer imaginava um dia morar na África.

Aquele mar verde cor de oliva nunca saiu da minha cabeça. Ondas perfeitas, tubos de mais de um minuto quebrando sincronicamente pela direita. Surfistas do mundo todo. EUA, Brasil, Austrália, Europa. Amadores e profissionais, além de viajantes quaisquer, transformando o lugar em uma capital do surfe. Bares e restaurantes tematizados. Festas, gatinhos. Uhhlala, lá vou eu... como não?! Passagens de avião ida e volta, de Luanda para Johannesburgo, por menos de 500 dólares, conferi antes de aqui chegar. Nada mal, eu vou, pensava, embora o fato de conhecer o reduto loiro da África nunca tenha soado confortável para meu cariz moreno, devido aos ecos deixados pelo Apartheid, sem falar no elevado índice de violência urbana.

Outro dia, de passagem pela capital sul-africana, o jornalista Fábio Zanini, da Folha, que tá cruzando o continente de ponta a ponta, disse se sentir mais seguro em São Paulo. O rapaz ficou hospedado num condomínio no centro da cidade e para chegar até a porta de casa era preciso atravessar três barreiras de grades e cercas elétricas. “Como se um Tiranossauro Rex a qualquer momento pudesse invadir o local. Quem acha que São Paulo é violenta deveria dar uma voltinha em Johannesburgo. De preferência, dentro de um carro blindado”, sugeriu.

Ok, violência urbana não combina com turismo. Mas nada mal apenas desembarcar rapidinho em Johannesburgo e pegar um ônibus direto para Cape Town, a Cidade do Cabo, outro destino fincado no meu imaginário por uma professora de geografia na 5ª série. Lá vou, pensava, para o cabo da Boa Esperança. Aquele acidente geográfico que um dia foi chamado de cabo das Tormentas pelo marinheiro português Bartolomeu Dias, primeiro navegante europeu a circundar a ponta da África em meados do século XV. O caminho para as Índias, lembram? Moradia do temível Gigante Adamastor, de Camões. Essa eu devo à professora de Literatura da 8ª série, que, cuidadosamente, destrinchou as mais de 20 estrofes do canto 5º de Os Lusíadas. Épico!

Pois bem. O sonho colegial esbarrou nos jardins da razão hoje de manhã assim que li o noticiário local e europeu. Fotinha espanta-turista estampada na primeira página do jornal português Público. Manchete-alerta sem rodeios, sugerindo ao leitor que a África do Sul se transformou na sucursal do inferno. A matéria tá lá, na cabeça da página da editoria Mundo. Abre aspas. Casas incendiadas, pessoas mortas à pancada, uma pelo menos queimada viva; multidões em fúria, de pedras e paus na mão; mulheres, homens e crianças a procurar refúgio em centros sociais, esquadras da polícia e igrejas; milhares de estrangeiros a fugir dentro da África do Sul depois de aqui terem procurado refúgio, fugidos do Zimbabwe. Fecha aspas. Texto de Ana dias Cordeiro. Definitivamente, não é um bom momento pra fazer turismo, reflito.

Foto 2, de Sean Ritchie esteve em algumas capas africanas hoje

Mais seis mil pessoas em fuga, segundo o site da BBC. Estrangeiros desesperados procuram abrigo em delegacias e igrejas. Tenebroso. A maioria é fugitivo do Zimbabwe, agora, fugindo da África do Sul. Tem também moçambicano na mesma situação. Peraí. E esse povo que já andava em fuga vai pra onde agora? E a Copa do Mundo? É quando mesmo?

De acordo com o Diário de Notícias, considerada a capital financeira da África, Johannesburgo não pára de atrair imigrantes de todo o continente desde a corrida ao ouro, no século XIX. São mais de três milhões de imigrantes zimbabweanos na África do Sul, informou o Público. Por terem uma formação educacional melhor, segundo o Público, passaram a ser vistos como uma "ameaça", uma vez que ocupam muitos postos de trabalho. Os moçambicanos, por sua vez, não são mão-de-obra qualificada, porém abundante e barata. Ou seja, "incomodam" também. E o que era pra ser tratado diplomaticamente por meio de uma política de reserva de mercado está sendo "resolvido" a ferro e fogo no molde intolerante, violento e desastroso da xenofobia.


Ora essa. Vamos ponderar que quem abandona a pátria mãe por bom motivo não costuma ser. O Zimbabwe é o país dos milionários famintos. Assim passou a ser chamado por causa da inflação descontrolada. Tudo é calculado em milhões, bilhões. Um mísero pão custa alguns milhões de dólares zimbabweanos. Semana passada o governo anunciou o lançamento da cédula de 500 milhões de dólares, dá pra acreditar?

Só pra vocês terem uma idéia o quanto a moeda é desvalorizada, vou colocar aqui uns números do publicados no Pé na África. Em março deste ano, em Harare, capital do país, US$ 1 comprava 24 milhões de dólares do Zimbabwe. Em menos de 20 dias, subiu para 40 milhões. E agora em pleno impasse eleitoral US$ 1 pode ser trocado por 250 milhões.

Zimbabwe é a antiga Rodésia, mais um terreno de conflitos históricos entre brancos colonizadores e negros nativos. Em 1979, o Reino Unido chegou a assumir o controle temporariamente, mas o território virou estado independente em 1980, após uma longa guerra civil envolvendo duas facções locais. Robert Mugabe, líder nacionalista negro, foi eleito, instaurando no país um regime socialista. Em 1987, é estabelecido regime presidencial. Mugabe é eleito chefe de Estado, cargo posto a prova agora com uma nova eleição presidencial.

A imprensa internacional o acusa de, recentemente, ter comprado um navio chinês carregado armas e munição. A contagem dos votos atrasou mais que o previsto. Segue o impasse. O tal navio teria aportado em Angola, já que o Zimbabwe fica no interior do continente. Antes disso, o descarregamento foi negado pelo governo de Moçambique e da África do Sul. Nenhum dos dois quiseram emprestar a costa para a passagem das armas de Mugabe. Ninguém sabe ao certo o que aconteceu. Onde foi parar o navio, as armas. Bush mandou uma secretária especializada em assuntos africanos visitar Angola com uma carta de miss Rice em mãos. Logo depois, a Reuters Africa noticiou que no porto de Luanda apenas foi descarregado cimento. Era isso que havia no navio, disseram as autoridades locais.

Armas, tensão, conflito, política, genocídio, xenofobia, guerrilha. "Delícias" que podem ser conferidas logo ali na Nigéria, Sudão, Chade, Quênia, Somália. Mais uma vez, nada disso combina com turismo. Aqui em África é assim. E quando não tem guerra, tem bicho. Escroto, é claro. Há quem considere o "maior barato" ir ali numa reserva ver zebrinhas selvagens, leões famintos, macacos transmissores de ebola. Não, obrigado. Dizem que na cidade é mais difícil de pegar malária. Quanto aos bichinhos, prefiro vê-los de longe nas páginas de revista ou então nos docs da NatGeo. Tá bom pra mim. As câmeras são perfeitas. Capturam angulos com mais precisão que o meu olho nú. E ainda assim, quando a cena é forte, repudio.

Outro dia assisti com um brother que mora aqui comigo um doc da National. Um safari num parque na África do Sul. Seguia guia e mais quatro turistas em três botes a remo numa lagoa cheia de hipopótamo. Olha só que diversão! Os hipopótamos descansavam na beira da lagoa, aparentemente calmos e inofensivos. Os turistas só não contavam com um hipopótamo desgarrado que resolveu fazer uma "surpresa" e aparecer exatamente debaixo do bote conduzido pelo guia.

O bicho depenou bote e guia com a boca em dois tempos. Arrancou o braço direito do guia, quebrou vétebras e costela, perfurou um pulmão, deslocou a bacia e só soltou o rapaz porque achou que "a presa" estava morta. Traumatismo craniano, quase morre afogado não fosse ajuda dos outros que ali estavam.

Apesar do estrago, o rapaz sobreviveu - sem um braço e algumas sequelas, além de achatamento lateral do crânio - pra contar a história com a própria boca no vídeo. Cenas fortíssimas. Filme de terror é bobagem. Safari não, obrigada!

17 de maio de 2008

É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar
Chico

13 de maio de 2008


Melhor do que a criatura,
fez o criador a criação.
A criatura é limitada.
O tempo, o espaço,
normas e costumes.
Erros e acertos.
A criação é ilimitada.
Excede o tempo e o meio.
Projeta-se no Cosmos
Cora Coralina

12 de maio de 2008

Aqui é bonito!

Na cidade, Ilha do Cabo
Fora da cidade, a caminho da praia de Santiago

8 de maio de 2008

Noite e dia

Prestes a completar um mês em solo africano, já vi pôr-do-sol de remexer a alma, anoitecer de calar o espírito. Vi o céu ficar misteriosamente cinza ou então pleno em tons de degradée azul. Celestial.


Já vi uma circunferência gigantesca abraçar a lua. Vi também transbordar em noite de máxima cheia, como também, outro dia, vi se pôr minguante feito bola de fogo. Já o sol vi derreter cor de lava bem distante, solitário, entre os navios no horizonte. Espetáculo impagável da natureza cujos bilhetes de acesso estão disponíveis apenas para os que captam as mensagens através dos sentidos. Maravilhada sigo. Só uma coisa me intriga: nunca vi uma única estrela no céu. Não sei se se escondem atrás das nuvens. Ou teriam despencado do céu? Resta-me a dúvida. Deliro. Talvez nem mesmo existam.

Parodiando aquela canção

Dia sim, dia não / nada passa batido / tudo remonta ancestralidade / impossível sobreviver sem um arranhão

7 de maio de 2008



Pesquei daqui.

6 de maio de 2008

Os sete sapatos sujos

Por Mia Couto

Todos os dias somos confrontados com o apelo exaltante de combater a pobreza. E todos nós, de modo generoso e patriótico, queremos participar nessa batalha. Existem, no entanto, várias formas de pobreza. E há, entre todas, uma que escapa às estatísticas e aos indicadores numéricos: é a penúria da nossa reflexão sobre nós mesmos. Falo da dificuldade de nos pensarmos como sujeitos históricos, como lugar de partida e como destino de um sonho.

5 de maio de 2008

TEM, MAS NÃO HÁ - uma questão de referencial

Atulalizado às 13h46 do dia 7/5

Às vezes, fico num dilema. Parece bobagem, aliás, pode até ser bobagem, mas causa certa irritação. As pessoas lá no Brasil - naturalmente curiosas - me perguntam como é a vida aqui em Angola. Como quem acabou de descobrir a pólvora, disparo:

Rapaz, é f*. O trânsito é surreal, tudo engarrafado, tem uma quantidade absurda de carro nas ruas, lixo nas encostas, o asfalto é completamente detonado. Coisa de louco, só vendo pra crer.


Do outro lado da linha, respondem:

Oxi, que bobagem. O trânsito de Salvador também é caótico, cada dia pior. A coleta de lixo da cidade também é péssima e o asfalto... nem se fala... não pode chover um pouquinho que aparecem mil crateras.

Ô comparação absurda. Dá vontade de rir, mas insisto:

Não... você não tá entendendo. Pegue todos esses problemas que existem em Salvador e eleve à décima potência. Talvez você consiga chegar em Angola.

Mesmo assim, noto que as pessoas não entendem muito bem o que quero dizer e deixo por isso mesmo. Cada um no seu tempo. Cada um com sua vivência. Tem que colocar o pé em África pra entender que isso aqui é um lugar a parte.

Esse final de semana fui ao Shopping Center (viu? Tem até Shopping, diria uma voz vinda do Brasil) comer uma pizza. Escolhi o sabor e pedi um fino*. - Tem mas não há, responde o garçom. Como assim? Que construção frasal é essa?, pensei comigo mesma. Não está a servir*?, perguntei. Não, respondeu o garçom. Tem fino, mas não tem copo, acrescentou. Putamerda, pensei comigo mesma mais uma vez. Falta de copo é surreal, tudo bem que falta luz pelo menos três vezes no dia, água às vezes fica cinco dias sem cair uma única gota na torneira, mas copo plástico é demais. Ok, então me dá uma gasosa*, encerro a conta. Fome saciada, fui ver o que tinha em cartaz no cinema (viu? Tem até cinema em Luanda....). E não é que me deparo com um cartaz enorme: J U N O, 4 indicações ao Oscar. EM BREVE no cinema.

Em breve, minha gente. Em breve...
Já fica avisado pro próximo aí do Brasil que me perguntar se tem cinema em Luanda. Tem mas não há. Aprendi com o garçom e não se fala mais nisso.

(*) Fino é chop. O gerundio não é utilizado aqui nem pra escrever nem pra falar. Assim como em Portugal, o verbo vai no infinitivo. Gasosa é refrigerante. Ou propina.

3 de maio de 2008

Outra rotina

É um alívio indescritível não trabalhar sábado nem domingo.

2 de maio de 2008

Vertigem e o mistério do planeta

O barato de Luanda é perder a sobriedade tomando xícaras coloridas de chá de boldo.

30 de abril de 2008

Viver no tempo do pensamento
A. Chetto

Feito moldura no vidro

Avenida Talatona, esses dias

Da janela do carro, vejo cenas incríveis todo dia a caminho do trabalho. Os miúdos estão sempre correndo. Passam ligeiro, saltidando, estilo biribano... mal consigo ver o rosto. A maioria vai descalço. Pé na lama, no lixo, no caco de vidro. Os que ainda são nenêm vão na garupa da mãe amarrados por um tecido nas costas. [Me lembra as andinas, outro dia ali na Bolívia]

Avenida Rocha Pinto, semana passada

As mulheres são atração a parte. Postura impecável de quem desfila na passarela. Cervical feito régua em 90º graus, passo firme, carne rígida com balançar sutil apenas no quadril zero-estria, zero-celulite. Seguem em passo médio - mais lento que os miúdos, mais rápido que os cotas (velhos) - com coisas e coisas perfeitamente equilibradas na cabeça. Butija de gás, cesto de pão, lata d'água, quilos de verdura, quilos de fruta, pedaço de madeira, móvel, eletrodoméstico ou qualquer outro cacareco. Tudo vai na cabeça. Peso suficiente pra desbancar qualquer homem.

Tem uma cena - ainda não fotografei - que faz parte do cotidiano aqui em Luanda, é o seguinte: dois homens para carregar um único butijão de gás, um de cada lado, em nítido sinal de esforço. Não demora cinco segundos passa uma mulher, logo atrás, com o mesmo butijão equilibrado na cabeça, sem auxílio das mãos e a cara tipo nada, como se diz por aqui. As mãos também vão ocupadas, no mínimo, com uma trouxa. Isso quando o filho não tá ali, grudadinho nas costas. Força como nunca tinha visto antes. Aliás, mais do que isso. Parece filme. Mas é vida. Se bem que há quem diga que a arte imita a vida. Quer dizer, Oscar Wilde diz exatamente o oposto em Pen, Pencil and Poison: "A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida". Será? Sei lá. Esse debate deixo pra outro dia.

Se tudo é o mesmo dia,
se o tempo ainda significa alguma coisa,
dá a sensação de um sonho
J.M. Coetzee

27 de abril de 2008

Praaaaaaia!!!

BubbleShare: Share photos - Play some Online Games.



Por ser domingo, o dia que mais gosto da semana, dou início a série de fotos de Luanda com uma breve homenagem ao meu habitat predileto: praia. As fotos foram tiradas ontem, na ilha do Cabo, um lugar estranhamente bonito. O banho de mar aguçou os sentidos. Após duas semanas em solo africano, começo agora a penetrar nessa cidade fora do comum, de funcionamento insalubre. Um Estado completamente ressaqueado por mais de cinco séculos de colonização portuguesa seguido de três décadas de guerra sendo agora o sexto ano de paz. Assusta. E não apenas isso. O caos incomoda. Invade, prende, angustia. Por outro lado, esse vaivém descontínuo elimina da rotina qualquer chance de mesmice. Mas vale seguir atento. Um vacilo pode ser trágico nesse território minado. Muito cuidado ao pisar em Luanda. Há sempre uma surpresa na próxima esquina. Por hoje fico por aqui. Uma prainha pra começar a semana bem. Cena rara. O foco aqui nem sempre é assim.

25 de abril de 2008

As coisas são assim
E se será, será
Marisa & Brown

Chegue aí!

Caros leitores, a partir de hoje a rotina deste blog volta ao normal. Foram quatro meses de paradeiro, estacionada entre o nada e o lugar nenhum, a espera de não sei o que. Tudo seguia morno até ser tragada por um redemoinho que me fez cruzar o Atlântico Sul.

Aqui estou. Da Bahia para Angola, neste novo domicílio: Luanda.

25 de dezembro de 2007

As atividades desse blog estão suspensas por tempo indefinido. Um dia eu volto. Acho.




No fundo do poço sem fundo
Brilha um clarão azulado
Todo segredo do mundo
Nesse clarão tá guardado






Eu vou ficar quietinho...
eu vou ficar no meu canto.









2008!

Eu vou buscar alguma coisa pra gente tomar
Alguma coisa que nos deixe diferentes
Eu vou atrás de alguma coisa que devagarinho
Desfaça todos pensamentos que vivem na sua mente
Eu vou atrás de alguma coisa que nos deixe estranhos e contentes
E que nos faça chorar de rir de uma forma inocente
Alguma coisa que nos deixe falando, sorrindo e rangendo os dentes
Alguma coisa para relaxar, pra que a cabeça não esquente
Alguma coisa um pouco mais pra frente




Músicas de Wado e Realismo Fantástico

19 de dezembro de 2007

Baseado em fatos reais

Prefiro a dor da separação a falsa felicidade de um amor de ilusões. Um milhão de vezes chorar a realidade dura e seca a viver anestesiada em um sonho débil. Difícil sim, é verdade. A ilusão traz conforto. Mas, do que adianta? Convém respirar fundo. Amor partido dói de forma rara. Respire de novo. Espere. Respire. Lágrimas secam. E o gozo florece a cada nova estação.

18 de dezembro de 2007

O que me tranqüiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.

Clarice Lispector

16 de dezembro de 2007

Festival 5 minutos - OS PRÊMIADOS

1º Carro de Boi [Nicolas Hallet Ba]
2º L.E.R. [João Angelini DF]
3º Pega, mata e come [Carlos Pronzato Ba]

Júri Popular: Meninos [Ernesto Molineiro Ba]

15 de dezembro de 2007

Festival 5 minutos - 4ª noite

Sala Walter lotada. Acabei assistindo a mostra competitiva na Alexandre Robato, do lado. Perdi Pega, mata e come, Por baixo do pano, Quero sangrar em cima de você, Recuperando a inocência e Sambadeiras do Recôncavo. Todos baianos. Apreciei a fotografia de Sensações contrárias (BA). Ângulos bem trabalhados. Fresta de portas, corpos cortados. Planos afastados. Enquadramentos criativos sem desfocar o elemento principal. Todos foram para a lua (RS) traz depoimentos engraçados de pessoas que foram morar lá... na lua. Trilha ecológica (BA), animação. Uma sucessão de paisagens sonoras em pixels. A trilha sonora de Um cineasta à procura de seu filme (SP) me causou uma certa agonia. Soou feito música de videogame e me pareceu mais veloz que a história. Tatiana e Vazio (RJ), ambos de Diogo Fonte e Flávia Monteiro, mostram conflitos existenciais. Têm seus méritos, mas não bate muita onda em mim. Questão de gosto. Prefiro Preparação para o nêgo fugido (BA), dos mesmos diretores de A infância de Anastácia, que passou na 1ª noite [Cau Marques e Marília Hughes]. Documentário etnográfico sobre um folguedo de mais de um século de existência, vivido por homens da comunidade de Acupe, distrito de Santo Amaro da Purificação, Recôncavo baiano. O curta mostra como a comunidade prepara as fantasias confeccionadas com folhas de bananeira. Carvão no rosto e lábios pintados de vermelho. Chapéu de vaqueiro, colete de couro, espingardas e muita lambança completam a indumentária dos capitães do mato. Esse ano fotografei uma apresentação do Nêgo Fugido no Solar do Unhão. Impressiona pela força da tradição, passada oralmente a cada nova geração. Quanto ao doc, vale a pena assistir. Recomendo. Roteiro e fotografia bem apurado. Teve também outro doc, Veras (BA). Biográfico. Sobre Divaldo Angelin Veras. Nada de encher os olhos na concepção artística, mas vale conhecer a história desse sujeito, ex dono de boate, ex produtor de artistas internacionais, ex bon-vivant. No curta, um retrato do fim da vida, pobre e caquético num quarto em Ipiaú.

Depende da hora,
Da hora, da cor e do cheiro
Cada cor tem o seu cheiro
Cada hora lança sua dor
E dessa insustentável leveza de ser
Eu gosto mesmo é de vida real

Nação Zumbi

13 de dezembro de 2007

Festival 5 minutos - 3ª noite

O BARATO DO VOVÔ

Felipe Antoniolli 1:30 2007 Canoas-RS

Esse foi um dos vídeos da 3ª noite do Festival Nacional Imagem em 5 Minutos. Gostei do curta gaúcho. Talvez mais pelo tema [maconha], nem tanto pelo argumento. O entretenimento da noite. Arrancou risada generalizada da platéia presente na sala Walter. Mas bom mesmo foi Meninos, de Ernesto Molinero. Ficção sobre a jornada de um garoto não-popular no colégio. História criativa, bem bolada, focada no drama do personagem. Os atores surpreendem. Direção de fotografia aponta para ângulos interessantes, principalmente nos planos de passagem. Bem montado. Dos exibidos até agora, elejo Meninos para o páreo da premiação.

Outras quatro animações foram apresentadas: Mapinguari, o protetor da floresta (BA), Mercúrio (MG), No museu (RJ) e Os três porquinhos (RJ). O primeiro e o último me interessaram, o do meio não entendi e o terceiro achei de mau gosto. Não me sinto habilitada a falar tecnicamente de animações, portanto me limito ao achismo das minhas preferências subjetivas. No Mapinguari gosto da história em si. O homem voraz predador versus o protetor da floresta. Situação nada extraordinária, porém bem contada. Os três porquinhos é uma adaptação da história infantil à realidade brasileira. Na metáfora, o lobo mau é a justiça e os porquinhos, elementos podres da sociedade. Mercúrio realmente não entendi. Sei que é o drama de um homem na fronteira entre o sonho e a realidade, e...? Acho que pára por aí. Já No Museu, na minha singela opnião, não deveria ter sido feito. Acho deselegante propostas artítsticas que reforçam o estigma do "jeitinho brasileiro"... "farra"... "samba"... "e zombaria".

Maison Guilda (BA) é um videoclip com a música Salão de Beleza, de Zeca Baleiro. Maria das Cabras (BA) é vivo. Um funcionário da Conder chega para desapropriar a residência de Maria, uma área de invasão em Pituaçu, e é recebido a facão. No fim somos todos caixas (BA) é tímido. Nossa Paixão (SP) e Notícias para uma moça lá do norte (BA) têm coisas em comum: embora bem produzido e bem montado, não seduz, beira o clichê.

12 de dezembro de 2007

Festival 5 minutos - 2ª noite

Não vou nem em estender muito. Cheguei atrasada, peguei o bonde andando. Só vi a partir de Chapada Velha, o terceiro a ser exibido. Fui pra ver Cinema Velho, de Lucas Fróes, com imagens de Vítor Pamplona e Desmandamento do cinema, de Zezão, com entrevista de Regina Bochichio. Todos coleguinhas de A Tarde. Jornalistas arriscando no audiovisual. É bom prestigiar o trabalho dos colegas de profissão. No geral, gostei mais de ontem. Os vídeos tinham mais ritmo. Alguns com cena de impacto, além de histórias mirabolantes. Hoje foi tudo muito morno.

11 de dezembro de 2007


Detalhes aqui.

Festival 5 minutos - 1ª noite

Meus dedos coçam para tecer comentários sobre os curtas exibidos na estréia do XI Festival Nacional de Vídeo Imagem em 5 Minutos. Atitude um tanto suspeita quando se tem um filho entre os selecionados. Até cogitei ficar na espreita, aguardando o veredicto final, mas... vamos lá. Adianto que o espaço não é muito democrático. Se está a procura de críticas isentas, com análises técnicas, sugiro leitura de um blog ou site especializado em cinema que esteja cobrindo o festival. Por aqui vão circular comentários baseados nas tendências e preferências da autora. Pois então, a noite:

Expectativa generalizada. Dava pra perceber no burburinho que rondava o foyer da sala Walter antes de começar a mostra competitiva. 50 selecionados. Alguns mil reais em prêmios. Toda estréia amarga a euforia de desconhecer o que está por vir. E por lá passaram bons curtas no telão. COm direito a platéia reagindo ao final de cada projeção. Cheiro de prêmio no ar.

Vou começar pelo mais aplaudido - As fitas malditas do padre Pinto (BA), de Daniel e Diego Lisboa. O vídeo é algo. Impactante. Mas como não? É padre Pinto com o colhão de fora, rosto pintado, guias no pescoço e uma lata de cerveja na mão. Precisa de algo mais pra causar uma reação eufórica nas pessoas? Pois não pára por aí. Uma sucessão de palavrões ao falar sobre a infância, o carnaval e a vida no seminário. Coisas do tipo: pergunta o diretor - Como foi a sua infância? "Podre. Chupei a rôla do meu pai. Uma rôla linda". Ou então: "Quinta-feira mulheres chupam buceta (...) sexta-feira santa viado come cú". É por aí que vídeo segue. A reação da platéia me fez lembrar o Império do Grotesco, de Muniz Sodré. Satisfação ao ver a estética da cintura para baixo, que é também a estética do carnaval, dos jogos populares, do circo, da feira. Diferente do juízo de gosto voltado para o sublime, para o homem da cintura para cima, o olhar para o céu. O grotesco não quer a elevação. É o contrário do barroco. Funciona por catástrofe, um escândalo que motiva risadas, mesmo que seja uma risada distorcida e nervosa. Questiono a validade desse tipo de estética. De qualquer forma, é festival e de tudo é bem-vindo. Cabe a cada espectador fazer a sua aposta. Essa definitivamente não é a minha. Até mesmo porque é a contra-mão de A Mina de um povo (BA), o nosso rebento. Ouso compará-los pelo fato de serem da mesma categoria - documentário. A mina... tem pé na atualidade, traz um pedaço da Bolívia de Evo Morales com destaque para a extração de minério, um dos pilares da economia boliviana. Viés sócio-político. Feito por jornalistas que buscam fugir da cobertura da América Latina feita pela grande mídia. Detalhes do curta aqui. Além do propósito diferenciado, A mina... brinca com a linguagem cinematográfica. Estética bem apurada, ritmo na troca de planos. Cores e áudio bem definidos.

Na verdade, os documentários reinaram na estréia do festival. O primeiro a ser exibido, 500 mil volts (RJ), sobre os homens que fazem a manuntenção dos cabos de energia. Fotografia no padrão Globo de jornalismo. Todo bem enquadrado, certinho. Narração em off. Me parece que faltou um pouco de pimenta na edição para passar com mais afinco a idéia de que o serviço é de alto risco. Algo que tirasse o fôlego de quem assiste. Será? Talvez seja isso.
Gosto de A infância de Anastácia (BA). Outro doc. Só que biográfico. O vídeo é exatamente o que diz o título. A memória de dona Anastácia, contando os tempos de quando era menina. Senhora simpática, arrancou simpatia da platéia. Traz imagens interessantes de aquivo, do cinema de Leon Rozemberg, anos 50, se não me engano.

Mais doc: A marcha (BA), sobre uma marcha de mais de três mil integrantes do MST, estrada a fora rumo a Salvador. Imagens bacanas, mas... delize fatal no off. Texto com metáforas, com destaque para elementos subjetivos. Tentativa de fazer algo artístico, mas termina sendo redundante e pouco poético. Banquete (BA). Etnográfico. Membros de uma tribo em Moçambique dissecam um elefante. É legal porque é sempre bom ver um pouco de outro país, outra cultura, outros rostos. E a África é muito fotográfica. Porém, ao espectador, sobram perguntas no ar: trata-se de uma tradição local? Mataram o bicho por maldade ou apareceu morto e resolveram aproveitar a carne? Contexto pouco abordado, acaba deixando a narrativa perdida. Berengudê e a panela de pressão (BA), esse tá no estilo vídeo-reportagem. Um microfone de programa de tv aparece junto com cada entrevistado. É sobre uma rádio poste no Garcia. História curiosa, personagens bem humorados. Peca na edição. Parece trabalho de faculdade feito as pressas no final do semestre. Precisa mais requinte para concorrer a prêmio. E o último doc: Berço esplêndido (BA). O clichê. Sobre catadores de rua. Muito vitimizado. Os pobres coitados excluídos da sociedade capitalista, consumista, ó monstro abominável. Hino nacional tocando ao fundo. Menos, né? Foi-se o tempo em que esse discurso convência. A realidade é um pouco mais além. Lembro de uma matéria que fiz no início do ano com Vítor Pamplona. A Prefeitura construiu umas casas para abrigar moradores de rua. Dois quartos, cozinha, banheiro, tudo zero bala. Seriam os primeiros donos. Forneceu ajuda financeira, uma espécie de mesada. Fomos lá fazer matéria. Não pra mostrar a boa ação da prefeitura. Mas porque a assistente social estava desesperada: eles preferiam continuar na rua. Antes de vitimizar, não dá pra esquecer que há excessões. Nem sempre mendigância está relacionada a exclusão social. Passa pelos confins sombrios do psíquico também.
E finalmente as ficções: Bar (BA), Batateogonia (SP) e Bolachinha de goma (BA). O curta paulista foi "o" filme da noite. Engraçadíssimo. Muito bem bolado. Bem editado - uma mistura de vídeo, fotografia digital, colagens. Não sei de onde brotou tanta criatividade para traçar a criação do universo com o Gênesis e a tecnologia, sendo a deusa geradora de todos nós a Elma Chips. Só vendo pra crer, é diversão garantida. Bar é um vídeo perdido. Não mostra pra que veio. Bolachicha de goma tem trilha muito altro astral, embora a história seja também fraquinha, fraquinha.

10 de dezembro de 2007

Festival 5 minutos - estréia

Equipe do Projeto Bolívia convida para a estréia do curta A mina de um povo. Onde? Na 1ª noite de exibição dos vídeos da mostra competitiva do Festival Nacional Imagem em 5 Minutos. Sala Walter da Silveira, às 20h. Terça-feira. Entrada gratuita com direito a vale-voto para eleger o melhor da noite. Bora? Leia a sinopse aqui.

9 de dezembro de 2007

Um olho aberto.
Um ainda num sonho.
Seria melhor um sonho completo, eu acho,
mas realmente não tenho controle sobre isso.

Liesel Meminger

Mero desejo

Às vezes, gostaria de ter o poder mágico de segurar as palavras com as mãos, amassá-las e, depois, jogá-las em cima da mesa.

30 anos sem Clarice



"Escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas". Um pouco mais de Clarice I e II.

5 de dezembro de 2007

Divinas & Cruéis



Nove divinas brasileiras quase todas jornalistas
Nove brasileiras jornalistas quase todas divinas
Nove divinas mulheres do Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil estão escrevendo aqui
Sim, quando querem são cruéis

3 de dezembro de 2007

Ai se sêsse 2

Não há serotonina que ajuste o descompasso de uma criatura apaixonada. Ser humano devia nascer com um botão, ao invés de coração.

A passos lentos

Fim de ano. Em minhas orações, sempre peço ao Universo que ilumine os meus caminhos para que eu seja um ser humano forte e sereno. Que a dor seja passageira e a alegria sempre seja senhora da minha alma. Sobriedade para que as minhas reações, principalmente as sentimentais, não sejam desastrosas. Que a luz celestial afaste de mim os pensamentos mesquinhos e que nunca falte amor no meu coração. Compaixão para os que não me desejam o bem. E distância. Que esses fiquem longe, pelo menos por uns tempos, enquanto eu não me torno um ser evoluído o suficiente ao ponto de gostar de quem não gosta por mim. Por enquanto, me esforço no exercício da compaixão. Tem sido o meu máximo. Talvez no final do século 21 eu seja um ser humano melhor. Até lá, creio que essas sejam as medidas básicas para dia após dia seguir a vida numa boa. Nunca gostei muito daquela história “deixa a vida me levar”. Não sou adepta ao pagode. Gosto de fazer escolhas seja no sabor da pizza ou na boca a ser beijada. Não deixo de mexer os meus pauzinhos aqui embaixo, embora acredite que apenas Ele, o Universo, seja o senhor do destino. Respeito a sincronia dos astros e suplico que ao menos sejam graciosos comigo. Estou aberta para 2008. Comparando a 2007, que seja mais brando. Acho que foi o ano mais intenso dos últimos tempos. Relações a flor da pele. Alguns com muitas palavras, outros com menos, mas, no geral, muita turbulência e pouco silêncio. Não só para mim, mas para muitos que estão ao meu redor. Pude constatar com a convivência. Momentos felizes, sim. Muitos. Alguns, inesquecíveis. Projetos concluidos, sim. Perdas, sim. Bens adquiridos, sim. Coração cretino, sim sim sim. 2008, que seja um bom ano para todos nós.

Ai se sêsse

"Se um dia nois se gostasse
Se um dia nois se queresse
Se nois dois se empareasse"

Zé da Luz e sua rima nordestina
Eu e os meus suspiros

2 de dezembro de 2007

A data

Nasce o dia do samba (1963), Seo Ari (1951) e a tv digital do Brasil (2007)

1 de dezembro de 2007

Beleza pura!

Se tem uma coisa que gosto é praia. Hoje, no Flamengo.

26 de novembro de 2007

E quem não vai torcer
Pro coração bater
Dá-lhe viver!
Dá-lhe viver!

Nação Zumbi

25 de novembro de 2007

Domingo 3

Ser repórti. Ponte Salvador-São Paulo

14h24. Na capital baiana, arde o sol lá fora. Da redação, ouço torcedores eufóricos transitar pela avenida Tancredo Neves. É dia de jogo do Bahia e a praia deve estar "bombando". 14h25. Dia normal em São Paulo. E por "normal" na Terra da Garoa, entende-se: tempo nublado, meio quente, meio frio, sem chuva. A quilômetros de distância de Cira do Acarajé, um retirante confessa: está ansioso em ver o jogo do Baêa.

Tássia N. diz: tô boa, e vc?
Bito diz: to bem... chateado por estar de plantão hj... nem era meu dia. Pelo menos tô matando as saudades de cobrir esporte, uma matéria sobre a Copa do Mundo de Natação.
Tássia N. diz: eu tô aqui com a baianada que rodou na Operação Jaleco Branco

[um minuto de silêncio...]

Tássia N. diz: Putz, detesto trabalhar domingo
Bito diz: Eu detesto trabalhar e ponto. Na verdade eu só trabalho pra conseguir folga
Tássia N. diz: he he he. Tudo bem, você ganhou...

Domingo 2

Bicho do mato
Quero você para mim

Jorge Ben

Domingo é um dia falso

24 de novembro de 2007

Sábado

É que de repente tudo vira absurdo
Tudo salta sobre o muro
O mundo fica sobre a gente
E se de repente a gente fica sobre o muro
A vida passa em um segundo
O mundo fica sobre a gente
Caia na madruga!

Lampirônicos

21 de novembro de 2007

Miércoles

Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo

Drummond

Faz o favor!

Se tem uma coisa que não tolero - e não é de hoje não, é desde quando me entendo por gente - é gente intrometida. Tipinhos que soltam, assim, com ar de quem não quer nada, comentários importunos. Por natureza, sou reservada, embora bastante sociável. Não me importa se sua bolsa não combina com você tampouco faz diferença com quem você sai depois do trabalho. É assim que me comporto e é assim que exijo ser tratada. Gosto da humanidade, mas não necessariamente de gente. Até mesmo porque gente é um bicho muito complicado. Se não sabe ficar na sua, meu caro, é eu cá e você lá. Lá longe. E não se fala mais nisso.

20 de novembro de 2007

Martes

Procuro sempre,
e minha procura
ficará sendo
minha palavra

Drummond

















Um minuto de reflexão. Respirar.

19 de novembro de 2007

Lunes

Amar o perdido
deixa confundido
este coração

Drummond

11 de novembro de 2007

Ele, o gatão

Hoje, a caminho da praia


Bóris é um pouco maior que os demais labradores e isso causa um certo pânico quando ele se aproxima de desconhecidos. No geral, confundem com outras raças e logo associam a um cachorro valente. Hoje mesmo na praia um senhor se aproximou desconfiado. É fila?, perguntou. Não, é um labrador, respondi. Desse tamanho? Com essa pata?, contestou. É. E é puro com pedigree, rebati. Não pode, te venderam misturado, não tá vendo que só o fila tem a pata assim?!, resmungou.

Pois, que engano. Bóris não estava a venda em um petshop. Veio de presente. A ninhada toda saiu assim, robusta. A mãe não só é purissima como é gringa. É canadense. O pai, um varão reprodutor, é daqui das áreas mesmo. Vivem em uma fazenda a beira-mar na Linha Verde.

Safira tem um colega que cria 7, nenhum do tamanho de Bóris. Os de seo Ari também são menores - embora não menos belos. Filha e genro já comprovaram. Luisa, minha prima, tem um amarelo, que também se chama Bóris, mas é mirradinho. Luciano, o veterinário da UFBA que acompanha o crescimento de El Terrible, foi o primeiro a avisar que ele é fora da regra. Desde os quatro meses, Bóris já apontava além da conta. O adestrador, um rapaz chamado Prazeres, dono de uma casa de produtos veterinários e adestrador da Polícia Militar, disse ter visto um assim apenas uma vez na vida. Bóris é o segundo em seus mais de 10 anos de experiência com cachorros.

Mas não é pra contar vantagem que destaco tudo isso. Pelo contrário. Por ser alto, Bóris não pode comer com o prato no chão. Se enverga muito, pode dar dor na coluna com o passar do tempo, advertiu o adestrador. Resultado, papai providenciou um apoio pro prato. Em carro duas portas, não gosta de entrar. O espaço para passar pro banco do fundo é pequeno. Só gosta de quatro portas. No sofá, tá proibido de sentar. Não sobra espaço pra ninguém. E na praia, quando ele passa, todos se afastam.

Às vezes fico com dó. Hoje mesmo, todo curioso, doido pra se aproximar das pessoas. Queria correr, queria roubar a bola do frescobol, implorou pra ficar sem coleira. Mas fazer o quê, né. Não dá.

E eu, com o máximo de cuidado, procurei um sombreiro afastado pra não importunar ninguém, me aparece um poodle micro-toy branco, solto e ousado. Parecia uma punça andante. Saiu não-sei-de-onde pra provocar Bóris, que, por tabela, levantou de prontidão quase derrubando a mesa de plástico. Enquanto o poodle latia, Bóris o olhava com ar impaciente. Não rosnou nem latiu nem avançou mas também não recuou. Ficou um clima tenso e eu não tava gostando nada daquilo. Até que me aparece a dona, uma patricinha mais ousada que a cria. Devia ser proibido andar com esses cachorros na praia, disse, cheia de atrevimento. Que pessoa sem noção!, pensei imediatamente. Você que não devia andar com sua pulga solta por ai, fosse um pitbull não tinha sobrado nada, disse.

Fato é que a disparidade de cor e tamanho pedia uma foto, mas minhas mãos tavam ocupadaa segurando o enforcador.

Habaianas, as legítimas

Ontem, na Praia do Flamengo

9 de novembro de 2007

Luto

Enterrado esta manhã, no cemitério Bosque da Paz, o jornalista Gerson dos Santos.
Talvez não exista outra pessoa que tenha vibrado de forma tão intensa, como Gerson, quando escolhi ser jornalista. Mais que minha mãe, meu avô e meu tio, todos jornalistas. Digo com convicção, sem medo de ser piegas, condição natural de quem sente o peito apertar, quando a tarde de repente fica cinza em plena sexta-feira. É que Gerson, sua esposa Nice, Artur e Sissi, os filhos, sempre foram muito presentes na minha família.

Final dos anos 80, muitas foram as vezes em que nos divertimos noite a dentro, lá em casa, junto com a turminha da extinta Revisão. No repertório, músicas, histórias sem ter fim e muita comida gostosa.

Eu, criança, achava o máximo todas aquelas histórias de jornalistas. [Reflito: acho que foi aí que cometi o crime]. Gerson, sempre hilário, às vezes saia da condição de repórter para atuar como protagonista dos casos mais inusitados. Como no dia em que Nice acordou de madrugada, assustada, crente que se tratava de suicídio, ao ver o marido com parte do corpo para fora da janela do apartamento onde moravam na Bonocô.

"Meu amor, não vá assim. Não se jogue, por favor. Temos dois filhos pra criar", clamou apavorada. "Tá doida, mulher? Trata de me ajudar, a janela está despencando, tá pesado demais, não vou agüentar". Resolvido o problema, veja só que justificativa.

Insone , Gerson tinha levantado da cama para respirar um pouco. Ver o céu, as estrelas. Espairar na janela. Só não contava ser traído pela estrutura de alumínio que a aquela altura precisava mesmo ser trocada. Coisas de Gerson. Não sendo trágico, a gente ria um bocado.

O bonde da revisão também era integrado por Rita Conrado, Josélia Ribeiro, Rê de Sá, as Fátimas, Cristiane, Marilena Neco, Laura Angelim, Cora, Raimundo Alves, Neusinha, João Saldanha, Egídio, Arlete, Francina, Sara Barnuevo, Márcia Gomes e Marlene Lopes. Lembro também de Iloma, que ficava na fotomontagem, digitalizando as laudas, uma salinha ao lado da revisão, mais ou menos onde fica o Transporte e o DP hoje em dia. De Pérola e Calixto junto às barulhentas máquinas de escrever da Redação. E de Nelido, o chefe, com régua, lápis e cola montando páginas na revisão. [Se nesse momento esqueço de alguém, por favor, me perdoem a memória rarefeita.]

O piso da redação era coberto por carpete marrom e eu gostava de catar os alfinetes que ficavam perdidos debaixo das mesas dos repórteres. Ajudava a passar o tempo nos dias em que minha mãe passava do horário e eu ali chegava, ansiosa, para levá-la para casa. Na condição de filha única [minha irmã Safira ainda não tinha nascido], sempre reclamava porque ela, a minha mãe, nunca saia no horário certa. Hoje peço desculpas e compreendo.

Anos passaram, virei "gente" e "fiquei me achando", como costuma dizer Marlen em alto e bom tom todo dia na redação. Em janeiro de 2004, ainda na faculdade, vim parar na redação de A Tarde, mais especificamente para um estágio, no turno noturno, no A Tarde On Line. Horário comum ao de Gerson, que junto com Pérola e Luis fechavam Polícia. Confesso que fui amplamente paparicada por esse trio. Um carinho herdado, devo reconhecer, mas que me fez gostar ainda mais da profissão.

Pois bem. Não foi para chegar a essa conclusão banal que me estendi até aqui. É que nunca vou esquecer da satisfação de Gerson no dia em que pela primeira e última vez assinamos uma matéria juntos.

Um factual rasinho, digno de quem está há dois meses na redação, sobre os pedestres que tinham dificuldade de atravessar na rua Marcos Freire por falta de sinaleira. Não foi manchete tampouco concorreu ao Prêmio Esso. Apenas o suficiente para, no dia seguinte, Gerson aparecer com a página em punho acompanhado de largo sorriso no rosto. "Veja como é a vida, carreguei essa menina no colo", disse, todo prosa, a todos que estavam na redação. Não satisfeito, recortou a matéria e guardou na agenda.

Depois de algum tempo, os problemas de saúde o afastaram da redação. Mesmo longe, vez ou outra, ligava para mim para "dizer que estava olho na minha produção" e assim riamos um bocado.

Hoje minha casa está em silêncio. Estamos todos em oração. Diante da dor, resta-nos o conforto de que nosso amigo Gerson foi morar num lugar melhor.

4 de novembro de 2007

R$ 2

Ontem, na Praia do Flamengo.